Читать онлайн книгу "Alvo Zero"

Alvo Zero
Jack Mars


Uma SГ©rie de Suspenses do EspiГЈo Agente Zero #2
Um dos melhores suspenses que eu li este ano. – Avaliações de livros e filmes (Alerta Vermelho: Confronto Letal) Nesta continuação do livro nº 1 (INFILTRADO) na série de espionagem de Kent Steele, ALVO ZERO (Livro nº 2) nos leva a outra jornada selvagem, cheia de ação por toda a Europa quando o agente da elite da CIA, Kent Steele, é convocado para impedir que uma arma biológica devaste o mundo – tudo isso enquanto enfrenta um período de amnésia. A vida retorna ao normal para Kent antes que ele se veja convocado pela CIA para caçar terroristas e impedir outra crise internacional – ainda mais potencialmente devastadora do que a anterior. Porém, com um assassino lhe caçando, uma conspiração, agentes secretos ao seu redor e uma namorada que ele mal pode confiar, Kent está preparado para fracassar. No entanto, sua memória está voltando rapidamente e, com isso, imagens súbitas dos segredos de quem ele era, o que havia descoberto e o motivo pelo qual estavam atrás dele. Ele percebe que sua própria identidade pode ser o segredo mais perigoso de todos. ALVO ZERO é um suspense de espionagem que fará você virar páginas até tarde da noite. Suspense de verdade. – Avaliação Midwest (Alerta Vermelho: Confronto Letal) Também está disponível o best-seller Jack Mars, livro nº 1 da série LUKE STONE THRILLER (7 livros), que começa com Alerta Vermelho: Confronto Letal (Livro nº 1), disponível para download gratuito com mais de 800 avaliações cinco estrelas!





Jack Mars

Alvo Zero (UMA SÉRIE DE SUSPENSES DO ESPIÃO AGENTE ZERO – LIVRO 2)




Jack Mars

Jack Mars Г© o autor da sГ©rie best-seller LUKE STONE, que inclui sete livros (com outros a caminho). Ele tambГ©m Г© o autor do novo livro FORGING OF LUKE STONE, e da sГ©rie de suspenses do espiГЈo AGENTE ZERO.



Jack adora ouvir seus leitores, por favor, fique Г  vontade para visitar o site www. jackmarsauthor.com (http://www.jackmarsauthor.com/). Entre na lista de e-mails e receba amostras grГЎtis, conecte-se no Facebook e no Twitter para manter contato!



Direitos Autorais © 2018 por Jack Mars. Todos os direitos reservados. Exceto conforme o permitido sob as Leis Americanas de Direitos Autorais (U. S. Copyright Act, 1976), nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, ou armazenada em um sistema de banco de dados ou de recuperação, sem a prévia autorização do autor. Este e-book é licenciado apenas para seu prazer pessoal. Este e-book não pode ser revendido ou distribuído para outras pessoas. Se você gostaria de compartilhar este livro com outra pessoa, adquira uma cópia adicional para cada destinatário. Se você está lendo este livro e não o comprou, ou não foi comprado apenas para o seu uso, então, por favor, devolva o livro e compre a sua própria cópia. Obrigado por respeitar o trabalho duro deste autor. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, organizações, locais, eventos e incidentes são um produto da imaginação do autor ou são usados ficticiamente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência.




LIVROS DE JACK MARS




UM THRILLER DE LUKE STONE


ALERTA VERMELHO: CONFRONTO LETAL (Livro #1)


O PREÇO DA LIBERDADE (Livro #2)


GABINETE DE CRISE (Livro #3)




UMA SÉRIE DE SUSPENSES DO ESPIÃO AGENTE ZERO


INFILTRADO (Livro #1)


ALVO ZERO (Libro #2)



Agente Zero – Resumo do Livro 1

Um professor universitário e pai de dois filhos redescobre seu passado esquecido como Agente de campo da CIA. Ele viaja por toda a Europa lutando para encontrar a resposta de por que sua memória foi suprimida enquanto desvendava uma conspiração terrorista para matar dezenas de líderes mundiais.



Agente Zero: O professor Reid Lawson foi sequestrado e um supressor experimental de memória foi arrancado de sua cabeça, permitindo que suas memórias esquecidas retornassem como Agente da CIA, Kent Steele, também conhecido em todo o mundo como Agente Zero.



Maya e Sara Lawson: As duas filhas adolescentes de Reid, de 16 e 14 anos, respectivamente, desconhecem o passado de seu pai como Agente da CIA.



Kate Lawson: Esposa de Reid e mГЈe de suas duas filhas que faleceu de repente, dois anos antes, devido a um acidente vascular cerebral isquГЄmico.



Agente Alan Reidigger: Melhor amigo e companheiro de campo de Kent Steele, Reidigger ajudou-o a instalar o supressor de memГіria durante um Г­mpeto de fГєria mortal de Steele para rastrear um assassino perigoso.



Agente Maria Johansson: Uma ex-Agente de campo e antigo amor de Kent Steele depois da morte da esposa dele, Johansson provou ser uma aliada improvável, mas bem-vinda, enquanto ele recuperava a memória e desvendava a conspiração terrorista.



Amun: A organização terrorista Amun é um amálgama de várias facções terroristas de todo o mundo. O golpe de mestre de bombardear o Fórum Econômico Mundial em Davos, enquanto as autoridades eram distraídas pelas Olimpíadas de Inverno, foi frustrado pelo Agente Zero.



Rais: Um americano expatriado que ser tornou um assassino pertencente ao grupo Amun, Rais acredita que Г© seu destino matar o Agente Zero. Na luta nas OlimpГ­adas de Inverno em Sion, SuГ­Г§a, Rais foi fatalmente ferido, foi deixado lГЎ para morrer.



Agente Vicente Baraf: Baraf, um Agente italiano da Interpol, foi fundamental para ajudar os Agentes Zero e Johansson a impedir a trama de Amun de bombardear Davos.



Agente John Watson: Um inabalГЎvel e profissional Agente da CIA, Watson resgatou as meninas de Reid das mГЈos de terroristas em um pГ­er de Nova Jersey.




PREFГЃCIO


—Diga-me, Renault, disse o homem mais velho. Seus olhos brilhavam enquanto observava a bolha de café na tampa do coador entre eles. Por que você veio aqui?



O Dr. CГ­cero era um homem gentil, jovial, do tipo que gostava de se descrever como um cinquentГЈo sarado. A barba tinha ficado grisalha no final dos trinta e trinta anos e branca aos quarenta, embora geralmente bem aparada, estava rala e indisciplinada por causa do tempo que ele passou na tundra. Ele usava uma parca laranja brilhante, mas pouco fazia para silenciar a luz jovem em seus olhos azuis.



O jovem francês ficou ligeiramente surpreso com a pergunta, mas soube imediatamente a resposta, depois de repeti-la em sua cabeça várias vezes.

–A OMS contatou a universidade para assistentes de pesquisa. Eles, por sua vez, me ofereceram o cargo, explicou ele em inglês. Cícero era grego nativo e Renault era da costa sul da França, então conversavam em uma língua compartilhada. Para ser honesto, havia outros dois antes de mim. Ambos recusaram. No entanto, eu vi como uma grande oportunidade para…



—Bah! O homem mais velho interveio com uma careta. Eu não estou perguntando sobre acadêmicos, Renault. Eu li sua transcrição, assim como sua tese sobre a mutação prevista para influenza B. Foi muito boa, devo acrescentar. Eu não acho que eu poderia ter escrito melhor.



—Obrigado, senhor.



CГ­cero riu.

–Guarde o seu 'senhor' para reuniões de diretoria e arrecadação de fundos. Aqui, somos iguais. Me chame de Cícero. Quantos anos você tem, Renault?



—Vinte e seis, senhor. Ai, Cícero.



—Vinte e seis, disse o velho pensativo. Ele aqueceu as mãos sobre o calor do fogão do acampamento. E já quase terminou com o seu doutorado? Isso é muito impressionante. Mas o que eu quero saber é, por que você está aqui? Como eu disse, revi o seu arquivo. Você é jovem, inteligente, reconhecidamente bonito… Cicero riu. Você poderia ter conseguido um estágio em qualquer lugar do mundo, imagino. Mas nesses quatro dias que você esteve conosco, eu não o ouvi falar de você mesmo. Por que aqui, dentre tantos lugares?



Cícero acenou com a mão, como se quisesse demonstrar seu argumento, mas era totalmente desnecessário. A tundra siberiana se estendia em todas as direções até onde a vista alcançava, cinza e branca e totalmente vazia, exceto no nordeste, onde montanhas baixas se estendiam preguiçosamente, cobertas de branco.



As bochechas da Renault ficaram levemente rosadas.

–Bem, sendo honesto, doutor, vim aqui para estudar ao seu lado, ele admitiu. Eu sou um admirador seu. Seu trabalho para impedir o surto do vírus Zika foi realmente inspirador.



—Bem! Disse Cícero calorosamente. A bajulação levará você a todos os lugares – ou pelo menos a um bom torrado escuro belga. Ele puxou uma luva grossa sobre a mão direita, ergueu o coador do fogão do acampamento movido a butano e despejou em duas canecas plásticas um café fumegante e rico. Era um dos poucos luxos que eles tinham no deserto siberiano.



O lar, nos Гєltimos vinte e sete dias da vida do Dr. CГ­cero, fora o pequeno acampamento estabelecido acerca de cento e cinquenta metros da margem do rio Kolyma. O assentamento era composto de quatro tendas de neoprene abobadadas, uma cobertura de lona fechada de um lado para proteger do vento e um cГґmodo limpo e semi-permanente feito de Kevlar. Era sob a cobertura de lona que os dois homens estavam fazendo cafГ© em um fogГЈo de duas bocas em meio Г s mesas dobrГЎveis que continham microscГіpios, amostras de pergelissolo, equipamentos de arqueologia, dois computadores resistentes a todos os tipos de clima e uma centrГ­fuga.



—Beba, disse Cícero. Está quase na hora do nosso turno. Ele sugou o café com os olhos fechados, e um suave gemido de prazer escapou de seus lábios.

–Lembro-me de casa, disse suavemente.

–Você tem alguém esperando por você, Renault?

–Tenho, respondeu o jovem. Minha Claudette.

–Claudette, repetiu Cicero. Um nome adorável. Casado?

–Não, disse Renault simplesmente.

–É importante ter algo duradouro, em nossa linha de trabalho, disse Cícero melancolicamente. Isso lhe dá uma perspectiva em meio ao distanciamento que muitas vezes é necessário. Por trinta e três anos chamo Phoebe de minha esposa. Meu trabalho me levou para todo canto desta terra, mas ela está sempre lá quando eu volto. Enquanto estou longe, enfraqueço, mas vale a pena; toda vez que eu chego em casa é como se me apaixonasse de novo. Como dizem, a ausência faz o coração ficar mais afeiçoado.

Renault sorriu.



—Eu não teria associado um virologista a um romântico, ele refletiu.

–Não são mutuamente exclusivos, meu garoto. O médico franziu a testa ligeiramente. E ainda assim… Eu não acredito que seja Claudette que assombre a sua mente mais. Você é um jovem pensativo, Renault. Mais de uma vez, notei você olhando para o topo da montanha como se estivesse procurando respostas.



—Eu acho que você pode ter perdido sua verdadeira vocação, doutor, disse Renault. Você deveria ter sido um sociólogo. O sorriso se dissipou de seus lábios quando ele acrescentou: você está certo, no entanto. Aceitei essa tarefa não apenas pela oportunidade de trabalhar ao seu lado, mas também porque me dediquei a uma causa… uma causa baseada na crença. No entanto, tenho medo de onde essa crença pode me levar.



CГ­cero assentiu com conhecimento de causa.



—Como eu disse, o desapego é frequentemente necessário em nossa linha de trabalho. É preciso aprender a ser desapegado. Ele pôs a mão no ombro do jovem. Ouça de alguém com alguns anos a mais. A crença é uma motivação poderosa com certeza, mas às vezes as emoções têm a tendência de obscurecer nosso julgamento, entorpecer nossas mentes.

–Serei cauteloso. Obrigado, senhor. Renault sorriu timidamente.

–Obrigado, disse Cícero.

De repente, o walkie-talkie apitou intrusivamente da mesa ao lado deles, quebrando o silГЄncio introspectivo da tenda.

–Dr. Cícero, disse uma voz feminina com um sotaque irlandês. Era a Dra. Bradlee, ligando do local de escavação próximo. Nós descobrimos algo. Você vai querer ver isso. Traga a caixa.

–Nós estaremos aí em breve, disse Cícero ao rádio.

–Fim. Ele sorriu paternalmente para Renault. Parece que estamos sendo chamados cedo. Nós devemos nos arrumar.



Os dois homens largaram as canecas ainda fumegantes e correram para o cômodo de Kevlar, entrando na primeira antecâmara para vestirem os trajes amarelos de descontaminação que a Organização Mundial de Saúde fornecia. Luvas e botas de plástico foram as primeiras, seladas nos pulsos e tornozelos, antes do macacão de corpo inteiro, capuz e, finalmente, máscara e respirador.



Vestiram-se rapidamente, mas em silêncio, quase com reverência, usando o breve intervalo como não apenas uma transformação física, mas também mental, desde a brincadeira agradável e casual até a mentalidade sombria exigida para a linha de trabalho deles.



Renault não gostava dos trajes de descontaminação. Eles deixavam os movimentos lentos e o trabalho tedioso. Mas eles eram absolutamente necessários para conduzir suas pesquisas: localizar e verificar um dos organismos mais perigosos conhecidos pela humanidade.



Ele e Cícero saíram da antecâmara e se dirigiram para a margem do Kolyma, o rio gelado e lento que corria para o sul das montanhas e levemente para leste, em direção ao oceano.



—A caixa, disse Renault de repente. Eu vou buscá-la. Correu de volta para a tenda para recuperar o recipiente de amostra, uma caixa de aço inoxidável fechada com quatro fechos, um símbolo de risco biológico estampado em cada um dos seus seis lados. Correu de volta para Cícero e os dois retomaram a rápida caminhada até o local da escavação.



—Você sabe o que ocorreu não muito longe daqui, não é? Cicero perguntou através de seu respirador enquanto caminhavam.



—Eu sei. Renault tinha lido o relatório. Cinco meses atrás, um menino de doze anos de uma aldeia local adoecera pouco depois de buscar água no Kolyma. A princípio, pensava-se que o rio estava contaminado, mas à medida que os sintomas se manifestavam, a imagem ficou mais clara. Pesquisadores da OMS foram mobilizados imediatamente após a audição da doença e uma investigação foi lançada.



O menino contraiu varíola. Mais especificamente, ele adoecera com uma deformação nunca antes vista pelo homem moderno.



A investigação acabou levando à carcaça de um caribu perto das margens do rio. Após testes completos, a hipótese foi confirmada: o caribu havia morrido mais de duzentos anos antes, e seu corpo havia se tornado parte do pergelissolo. A doença que ele carregou congelou, permanecendo dormente – até cinco meses atrás.



—É uma reação em cadeia simples, disse Cícero. Quando as geleiras derretem, o nível da água e a temperatura do rio aumentam. Isso, por sua vez, derrete o pergelissolo. Quem sabe quais doenças podem se esconder nesse gelo? Cepas antigas de coisas que nunca vimos antes… é perfeitamente possível que algumas possam até mesmo preceder a humanidade. Havia uma tensão na voz do médico que não era apenas preocupação, mas uma ponta de excitação. Afinal de contas, era seu modo de vida.



—Eu li que em 2016 eles encontraram antraz em um suprimento de água, causado por uma calota de gelo derretida, comentou Renault.



—É verdade. Eu fui chamado para esse caso. Assim como a gripe espanhola encontrada no Alasca.



—O que aconteceu com o menino? Perguntou o jovem francês. O caso da varíola de cinco meses atrás. Ele soube que o menino, junto com outras quinze pessoas em sua aldeia, estava em quarentena, mas foi aí que o relatório terminou.



—Ele morreu, disse Cícero. Não havia emoção em sua voz; não como quando ele falou de sua esposa, Phoebe. Depois de décadas em sua linha de trabalho, Cícero aprendera a arte sutil do desapego. Junto com outros quatro. Mas a partir daí veio uma vacina adequada para a cepa, então suas mortes não foram em vão.

–Ainda assim, disse Renault calmamente, —uma pena.



Bem perto da margem do rio ficava o local de escavação, um trecho de vinte metros quadrados de tundra, cercado por estacas de metal e fita procedural amarela brilhante. Foi o quarto local que a equipe de pesquisa criou para a investigação até agora.



Quatro outros pesquisadores em trajes de descontaminação estavam dentro do quadrado isolado, todos debruçados sobre um pequeno pedaço de terra perto do centro. Um deles viu os dois homens chegando e se apressou.



Era a Dra. Bradlee, uma arqueГіloga emprestada pela Universidade de Dublin.

–Cícero, ela disse, encontramos algo.

–O que é isso? Perguntou ele, agachando-se e esgueirando-se sob a fita procedural. Renault o seguiu.

–Um braço.

–Como? Renault disparou.

–Mostre-me, disse Cícero.



Bradlee liderou o caminho para o trecho do pergelissolo escavado. Cavar no pergelissolo, e fazer isso com cuidado, nГЈo era tarefa fГЎcil, Renault sabia. As camadas mais altas de terra congelada comumente descongelavam no verГЈo, mas as camadas mais profundas eram chamadas assim porque estavam permanentemente congeladas nas regiГµes polares. O buraco que Bradlee e sua equipe haviam cavado tinha quase dois metros de profundidade e largura suficiente para que um homem adulto se deitasse.



NГЈo muito diferente de um tГєmulo, pensou Renault sombriamente.

E, fiel à sua palavra, os restos congelados de um braço humano parcialmente decomposto eram visíveis no fundo do buraco, retorcido, quase esqueléticos e enegrecido pelo tempo e pelo solo.

–Meu Deus, disse Cícero em um quase sussurro.

–Você sabe o que é isto, Renault?

–Um corpo? Ele se aventurou. Pelo menos ele esperava que o braço estivesse ligado ao restante de um corpo.

CГ­cero falou rapidamente, gesticulando com as mГЈos.

–Na década de 1880, existia um pequeno povoado não muito longe daqui, bem às margens do Kolyma. Os colonos originais eram nômades, mas à medida que cresciam, pretendiam construir uma aldeia aqui. Então, o impensável aconteceu. Uma epidemia de varíola varreu o local, matando quarenta por cento do povo em questão de dias. Eles acreditavam que o rio estava amaldiçoado e os sobreviventes desocuparam o lugar rapidamente. Mas antes disso, eles enterraram seus mortos bem aqui, em uma vala comum às margens do rio Kolyma. Ele apontou para o buraco, para o braço. As águas da enchente estão corroendo a margem. O derretimento do pergelissolo logo descobriria esses corpos, e tudo o que seria necessário depois disso seria uma fauna local para atacá-los e se tornarem portadores antes mesmo que pudéssemos enfrentar uma nova epidemia.



Renault esqueceu de respirar por um momento enquanto observava um dos pesquisadores vestidos de amarelo, no buraco, raspar amostras do braço em decomposição. A descoberta foi bastante emocionante; até cinco meses atrás, o último surto natural conhecido de varíola ocorrera na Somália, em 1977.



A Organização Mundial de Saúde havia declarado a doença erradicada em 1980. No entanto, eles agora estavam à beira de um literal túmulo conhecido por estar infectado com um vírus perigoso que poderia dizimar a população de uma grande cidade em dias, e seu trabalho era escavá-lo, verificá-lo e enviar amostras de volta à OMS.



—Genebra terá que confirmar isso, disse Cícero em voz baixa, mas se minha especulação estiver correta, acabamos de desenterrar uma variante de varíola de oito mil anos.

–Oito mil? Perguntou Renault. Eu pensei que você disse que o povoado era do final do século XIX.

–Ah, eu disse isso! Falou Cícero. Mas a questão então se torna como eles, uma tribo nômade isolada, entendeu? De uma maneira similar, eu imagino. Cavando o chão e tropeçando em algo há muito congelado. O que foi encontrado na carcaça de caribu descongelada há cinco meses datava do começo da época do Holoceno. O virologista mais velho não conseguia tirar os olhos do braço que se projetava da terra congelada abaixo.



—Renault, pegue a caixa, por favor.



Renault recuperou a caixa de amostras de aço e colocou-a na terra congelada perto da borda do buraco. Ele abriu os quatro fechos que a selavam e levantou a tampa. Lá dentro, havia guardado antes um MAB PA-15. Era uma pistola antiga, mas não pesada, pesando cerca de um quilo, totalmente carregada com quinze balas e uma na câmara.



A arma pertencera a seu tio, um veterano do exército francês que lutara no Magrebe e na Somália. O jovem francês, no entanto, não gostava de armas; eram muito diretas, seletivas demais e muito artificiais para o seu gosto. Não é como um vírus – a máquina perfeita da natureza, capaz de aniquilar espécies inteiras, sistemática e acrítica ao mesmo tempo. Sem emoção, inflexível e súbito; tudo o que ele precisava ser no momento.



Enfiou a mão na caixa de aço e passou a mão ao redor da arma, mas oscilou um pouco. Não queria usar a arma. Na verdade, gostava muito do otimismo contagiante de Cícero e do brilho no olho do homem mais velho.



Mas todas as coisas devem chegar ao fim, pensou. A prГіxima experiГЄncia me aguarda.

Renault ficou com a pistola na palma da mГЈo. Ele a acionou e atirou desapaixonadamente nos dois pesquisadores de ambos os lados do buraco Г  queima-roupa no peito.



A Dra. Bradlee soltou um grito de surpresa ao repentino e dissonante vislumbre da arma. Ela recuou, dando dois passos antes de Renault disparar duas vezes contra ela. O médico inglês Scott fez uma débil tentativa de sair do buraco antes que o francês conseguisse chegar ao túmulo dando um único tiro no top da cabeça dele.

Os tiros eram altos, ensurdecedores, mas nГЈo havia ninguГ©m por perto por cem quilГґmetros para ouvi-los. Quase ninguГ©m.



Cícero estava enraizado no local, paralisado de choque e medo. Renault levou apenas sete segundos para aniquilar quatro vidas, apenas sete segundos para a expedição de pesquisa se tornar um assassinato em massa.



Os lábios do médico mais velho tremiam atrás do respirador enquanto ele tentava falar. Por fim, ele gaguejou uma única palavra: —Por quê?



O olhar gelado da Renault era estoico, tГЈo distante quanto qualquer virologista teria que ser.

–Doutor, disse suavemente, você está hiperventilando. Remova o seu respirador antes de desmaiar.

A respiração de Cícero ficou rouca e rápida, superando a capacidade do respirador. Seu olhar voou da arma na mão de Renault, segurada casualmente a seu lado, para o buraco no qual o Dr. Scott agora jazia morto.

–Eu… eu não posso, Cicero gaguejou. Remover seu respirador seria potencialmente se sujeitar à doença. Renault, por favor…

–Meu nome não é Renault, disse o jovem. É Cheval, Adrian Cheval. Havia um Renault, um estudante universitário que recebeu este estágio. Ele está morto agora. Foi o trabalho dele e o artigo dele que você leu.



Os olhos injetados de sangue de Cicero se arregalaram ainda mais. As bordas de sua visão ficaram confusas e escuras com a ameaça de perder a consciência. Eu não… eu não entendo… por quê?



—Dr. Cicero, por favor. Remova o respirador. Se você vai morrer, não prefere fazer isso com alguma dignidade? Encarando a luz do sol, em vez de atrás de uma máscara? Se você perder a consciência, asseguro-lhe que nunca acordará.



Com os dedos trГЄmulos, CГ­cero estendeu a mГЈo lentamente e puxou o capuz amarelo apertado de seus cabelos brancos. EntГЈo ele agarrou o respirador e a mГЎscara e puxou-o. O suor que tinha frisado na testa gelou instantaneamente e congelou.



—Quero que você saiba, disse o francês Cheval – que eu realmente respeito você e seu trabalho, Cícero. Não tenho prazer nisso.



—Renault ou Cheval, quem quer que você seja, ouça a razão. Com o respirador desligado, Cícero recuperou o suficiente de suas faculdades para fazer um apelo. Poderia haver apenas uma motivação para o jovem diante dele cometer tal atrocidade. O que quer que você esteja planejando fazer com isso, por favor, reconsidere. É extremamente perigoso…



Cheval suspirou.



—Estou ciente, Doutor. Sabe, eu era de fato um estudante na Universidade de Estocolmo, e eu realmente estava buscando meu doutorado. No ano passado, no entanto, cometi um erro. Eu forjei assinaturas da faculdade em um formulário de solicitação para obter amostras de um enterovírus raro. Descobriram. Fui expulso.

–Então… então deixe-me ajudá-lo, implorou Cícero. Eu, eu posso assinar tal pedido. Eu posso ajudá-lo com sua pesquisa. Qualquer coisa menos isso…

–Pesquisa, Cheval pensou calmamente. Não, doutor. Não estou atrás de uma pesquisa. Meu povo está esperando e eles não são homens pacientes.

Os olhos de Cicero se encheram de lГЎgrimas.

–Nada de bom virá disso. Você sabe.

–Você está errado, disse o jovem. Muitos vão morrer, sim. Mas eles vão morrer nobremente, abrindo caminho para um futuro muito melhor. Cheval desviou o olhar. Não queria atirar no velho médico gentil. Você estava certo sobre uma coisa, no entanto. Minha Claudette, ela é real. E a ausência realmente faz o coração ficar mais afeiçoado. Preciso ir agora, Cícero, e você também. Mas eu respeito você e estou disposto a conceder um pedido final. Há algo que você gostaria de dizer para sua Phoebe? Você tem minha palavra, eu entregarei a mensagem.



Cícero balançou a cabeça devagar.

–Não há nada tão importante para dizer a ela que me fizesse enviar um monstro como você em seu caminho.

–Muito bem. Adeus, Doutor. Cheval levantou a PA-15 e disparou uma única vez na testa de Cícero. A ferida espumou quando o médico mais velho cambaleou e desabou sobre a tundra.

No atordoante silêncio que se seguiu, Cheval deu um tempo, ajoelhando-se, murmurou uma breve oração. Então ele começou a trabalhar.



Ele limpou as digitais e o pó da pistola e atirou-a no rio gelado de Kolyma. Em seguida, ele rolou os quatro corpos para o buraco para se juntar ao Dr. Scott. Com uma pá e uma picareta, ele passou noventa minutos cobrindo-os e o braço exposto e em decomposição com terra parcialmente congelada. Ele desmontou o local da escavação, retirando as estacas e arrancando a fita.



Demorou, trabalhando meticulosamente, ninguém tentaria entrar em contato com a equipe de pesquisa por mais oito a doze horas, e seria pelo menos um total de vinte e quatro antes que a OMS mandasse alguém para o local. Uma investigação certamente acharia os corpos enterrados, mas Cheval não estava disposto a facilitar as coisas para eles.



Por fim, pegou os frascos de vidro contendo as amostras do braço em decomposição e cuidadosamente os deslizou, um por um, nos tubos de espuma seguros da caixa de aço inoxidável, o tempo todo ciente de que qualquer um deles tinha o poder de ser incrivelmente mortal. Depois selou os quatro fechos e levou as amostras de volta ao acampamento.



No cômodo improvisado, Cheval entrou no chuveiro portátil de descontaminação. Seis bocais o pulverizaram de todos os ângulos com água quente fumegante e um emulsificador embutido. Uma vez terminado, cuidadosamente e metodicamente tirou o traje de proteção amarelo, deixando-o no chão da tenda. Era possível que seus cabelos ou saliva, fatores de identificação, pudessem estar no traje, mas tinha uma última ação para executar.



Na parte de trás do jipe de Cícero, havia duas latas de gasolina vermelhas e retangulares. Seria necessário apenas uma para ele alcançar a civilização novamente. A outra ele jogou no cômodo, nas quatro tendas de neoprene e na cobertura de lona.



Então ele acendeu o fogo. O fogo subiu rapidamente e instantaneamente, enviando fumaça preta e oleosa para o céu. Cheval entrou no jipe com a caixa de amostras de aço e foi embora. Não acelerou, e não olhou no espelho retrovisor para assistir o lugar queimar. Deu tempo ao tempo.



Imam Khalil estaria esperando. Mas o jovem francГЄs ainda tinha muito o que fazer antes que o vГ­rus estivesse pronto.




CAPГЌTULO UM


Reid Lawson espiou pelas persianas de seu escritГіrio em casa pela dГ©cima vez em menos de dois minutos. Estava ficando ansioso; o Гґnibus deveria ter chegado.



Seu escritório ficava no segundo andar, o menor dos três cômodos de sua nova casa na rua Spruce, em Alexandria, Virgínia. Era um contraste bem-vindo em relação ao apertado e quadrado design de um escritório que tinha no Bronx. Metade de suas coisas foram descompactadas; o resto ainda estava em caixas espalhadas pela sala. Suas estantes foram montadas, mas seus livros estavam empilhados em ordem alfabética no chão. As únicas coisas que tinha tido tempo para montar e organizar completamente eram sua escrivaninha e o computador.



Reid dissera a si mesmo que hoje seria o dia em que finalmente, quase um mГЄs inteiro depois de se mudar, terminaria de desempacotar as coisas do escritГіrio.

Ele chegou a abrir uma caixa. Foi o começo.

O Гґnibus nunca atrasa, pensou. EstГЎ sempre aqui entre trГЄs e vinte e trГЄs e trГЄs e vinte e cinco. SГЈo trГЄs e trinta e um.

Vou ligar para elas.



Pegou o celular da mesa e discou o nГєmero de Maya. Ele andava enquanto o celular tocava, tentando nГЈo pensar em todas as coisas terrГ­veis que poderiam ter acontecido com suas garotas entre a escola e a casa.

A chamada foi desviada para o correio de voz.



Reid desceu as escadas correndo para o vestíbulo e vestiu uma jaqueta leve; março na Virgínia era consideravelmente mais agradável que Nova York, mas ainda um pouco frio. Com as chaves do carro na mão, ele digitou o código de segurança de quatro dígitos no painel de parede para armar o sistema de alarme para o modo —ausente—. Sabia a rota precisa que o ônibus fazia; poderia voltar até o colégio se precisasse, e…



Assim que ele abriu a porta da frente, o brilhante Гґnibus amarelo chiou atГ© parar no final de sua rua.

–No flagra, Reid murmurou. Não podia voltar para a casa. Sem dúvida havia sido visto. Suas duas adolescentes saíram do ônibus e desceram a passarela, parando a poucos passos da porta que ele bloqueava enquanto o ônibus se afastava de novo.

–Oi, meninas, disse tão brilhantemente quanto possível. Como foi lá na escola?



A mais velha, Maya, lançou-lhe um olhar desconfiado quando cruzou os braços sobre o peito.

–Aonde você vai?

–Um… pegar a correspondência, disse a ela.

–Com as chaves do seu carro? Ela gesticulou para o punho dele, que de fato estava segurando as chaves de sua SUV prateada.

–Tente novamente.

–Sim, pensou. No flagra. O ônibus estava atrasado. E eu já disse, se você vai se atrasar, tem que ligar. E por que você não atendeu o seu telefone? Eu tentei ligar.

–Seis minutos, pai. Maya balançou a cabeça. Seis minutos não é um atraso. Seis minutos de trânsito. Houve uma batida na Vine.

Ele se afastou quando entraram na casa. Sua filha mais nova, Sara, deu-lhe um breve abraço e um murmúrio de —Oi, papai—.

–Oi, querida. Reid fechou a porta atrás deles, trancou-a e digitou o código no sistema de alarme novamente antes de voltar para Maya. Com trânsito ou não, eu quero que você me avise quando for se atrasar.

–Você é neurótico, ela murmurou.

–Como é? Reid piscou surpreso. Você parece estar confundindo neurose com preocupação.

–Ah, por favor, respondeu Maya. Você está de olho na gente há semanas. Desde que você voltou.



Ela estava, como de costume, certa. Reid sempre foi um pai protetor, e isso cresceu ainda mais quando sua esposa e mГЈe das meninas, Kate, morreram dois anos atrГЎs. Mas nas Гєltimas quatro semanas, havia se tornado um verdadeiro pai vigilante, olhando tudo e (se estivesse sendo honesto), talvez sendo um pouco autoritГЎrio.



Mas nГЈo iria admitir isso.



—Minha querida e doce filha, ele a repreendeu, enquanto você floresce para a idade adulta, você terá que aprender uma verdade muito difícil, que às vezes você está errada. E agora, você está errada. Ele sorriu, mas ela não. Era da sua natureza tentar diluir a tensão com suas filhas usando o humor, mas Maya não estava fazendo o mesmo.



—Seja como for. Ela marchou pelo vestíbulo e entrou na cozinha. Tinha dezesseis anos e era incrivelmente inteligente para sua idade – às vezes, parecia inteligente até demais. Tinha o cabelo escuro como Reid e propensão para um discurso dramático, mas ultimamnte parecia ter uma tendência à angústia adolescente, ou pelo menos para o mau humor… provavelmente causado por uma combinação da ociosidade constante e óbvia desinformação de Reid sobre os eventos que ocorridos no mês anterior.



Sara, a mais nova, subiu as escadas.

–Vou começar minha lição de casa, ela disse calmamente.

Deixado sozinho no foyer, Reid suspirou e encostou-se a uma parede branca. Seu coração se partiu por suas garotas. Sara tinha quatorze anos e era geralmente vibrante e doce, mas sempre que o assunto surgia do que acontecera em fevereiro, ela saía rapidamente.



Ela simplesmente não queria falar sobre isso. Apenas alguns dias antes, Reid tentou convidá-la para ir à uma terapeuta, uma terceira pessoa neutra com quem ela pudesse conversar. (Claro, teria que ser alguém afiliado à CIA.) Sara recusou com um simples e sucinto —não, obrigada— e correu antes que Reid conseguisse qualquer outra palavra.



Odiava esconder a verdade de suas filhas, mas era necessário. Fora da Agência e da Interpol, ninguém poderia saber a verdade – que pouco mais de um mês atrás ele havia recuperado uma parte de sua memória como Agente da CIA sob o pseudônimo de Kent Steele, também conhecido por seus colegas e inimigos como Agente Zero. Um supressor de memória experimental em sua cabeça fez com que ele esquecesse tudo sobre Kent Steele e seu trabalho como Agente por quase dois anos, até que o dispositivo foi arrancado de seu crânio.



A maioria de suas memórias como Kent ainda estavam perdidas. Estavam lá, trancadas em algum lugar nos recessos de seu cérebro, mas escorriam como uma torneira pingando, geralmente quando um aviso visual ou verbal as abalava. A remoção selvagem do supressor de memória fizera algo em seu sistema límbico que impedia que as lembranças voltassem de uma só vez – e Reid ficava, em sua maior parte, contente por isso.



Baseado no pouco que sabia sobre sua vida como Agente Zero, nГЈo tinha certeza se queria tudo de volta. Seu maior receio era lembrar de algo que nГЈo gostaria de ser lembrado, algum arrependimento doloroso ou ato terrГ­vel que nunca permitiria que Reid Lawson continuasse a viver tranquilo caso soubesse.



AlГ©m disso, estava extremamente ocupado desde as atividades em fevereiro. A CIA ajudou-o a mudar sua famГ­lia; em seu retorno aos EUA, ele e suas filhas foram enviados a Alexandria, na VirgГ­nia, a uma curta distГўncia de carro de Washington, DC. A CIA ajudou a garantir-lhe um cargo como professor adjunto na Universidade de Georgetown.



Desde entГЈo, foi um turbilhГЈo de atividades: fazer com que as meninas se matriculassem em uma nova escola, acostumadas a seu novo emprego e se mudassem para a casa na VirgГ­nia. Mas Reid tinha desempenhado um papel importante em manter-se distraГ­do, criando muito trabalho para si mesmo. Pintou os quartos. Atualizou aparelhos. Comprou novos mГіveis e novas roupas para as meninas irem para a escola.



Podia pagar por tudo aquilo; a CIA lhe concedeu uma soma considerável por seu envolvimento em deter a organização terrorista chamada Amun. Era mais do que ele costumava fazer anualmente como professor. Pagavam em parcelas mensais para evitar uma fiscalização. Os cheques caíram na sua conta bancária como uma taxa de consultoria de uma editora falsa que afirmava estar criando uma futura série de livros didáticos de história.



Entre o dinheiro e sua copiosa quantidade de tempo livre – estava fazendo apenas algumas palestras por semana no momento – Reid manteve-se ocupado ao máximo. Porque parar por alguns momentos significava pensar, e pensar significava refletir, não apenas sobre sua memória fraturada, mas sobre outras coisas igualmente desagradáveis.



Como os nove nomes que ele havia memorizado. Os nove rostos que examinara. As nove vidas que foram perdidas por causa de seu fracasso.



—Não, murmurou baixinho, sozinho no foyer de sua nova casa. Não faça isso para si mesmo. Não queria lembrar disso agora. Em vez disso, foi para a cozinha, onde Maya estava mexendo na geladeira para comer alguma coisa.

–Acho que vou pedir uma pizza, anunciou ele. Quando ela não disse nada, ele acrescentou: O que você acha?



Ela fechou a geladeira com um suspiro e se inclinou contra ela.

–Tudo bem, disse simplesmente.

EntГЈo olhou ao redor e disse:

–A cozinha é melhor. Eu gosto da claraboia. O quintal também é maior.

Reid sorriu.

–Eu perguntei sobre a pizza.

–Eu sei, ela respondeu com um encolher de ombros. Parece que prefere evitar o assunto em questão ultimamnte, então imaginei fazer o mesmo.



Recuou novamente com a sua excitação. Em mais de uma ocasião, ela o pressionou em busca de informações sobre o que havia acontecido quando ele desapareceu, mas a conversa sempre terminava nele insistindo que sua história era a verdade, e ela ficando irritada porque sabia que estava mentindo. Então ela deixaria pra lá por uma semana ou mais antes do ciclo vicioso começasse de novo.



—Não há necessidade desse tipo de atitude, Maya, disse ele.

–Eu vou procurar a Sara. Maya girou nos calcanhares e saiu da cozinha. Um momento depois, ele ouviu os pés dela subindo as escadas.



Ele beliscou a ponte do nariz em frustração. Em momentos assim que ele mais sentia saudades de Kate. Ela sempre soube o que dizer. Ela saberia como lidar com adolescentes que passaram pelo que suas filhas haviam passado.



Sua força de vontade para continuar com a mentira estava ficando fraca. Não conseguia recitar a história de fachada mais uma vez, a que a CIA lhe forneceu para contar para a sua família e colegas por ter desaparecido por uma semana. A história é sobre Agentes federais haviam na casa dele, exigindo ajuda em um caso importante.



Como professor da Ivy League, Reid estava em uma posição única para ajudá-los na pesquisa. Até onde as garotas sabiam, passara a maior parte daquela semana em uma sala de reuniões, debruçado sobre livros e olhando para uma tela de computador. Isso era tudo o que podia dizer, e não podia compartilhar detalhes com elas.



Certamente nГЈo poderia contar a elas sobre seu passado clandestino como Agente Zero, ou que ele ajudou a impedir que Amun bombardeasse o FГіrum EconГґmico Mundial em Davos, na SuГ­Г§a. NГЈo podia dizer que havia matado sozinho mais de uma dГєzia de pessoas em apenas alguns dias, e que cada um deles era um terrorista conhecido.



Teve que manter sua história vaga, não apenas por causa da CIA, mas por causa da segurança das meninas. Enquanto estava viajando por toda a Europa, suas duas filhas foram forçadas a fugir de Nova York, passando vários dias sozinhas antes de serem levadas pela CIA e levadas para uma casa segura.



Elas quase haviam sido sequestradas por dois radicais Amun – um pensamento que ainda fazia os pelos do pescoço de Reid se arrepiarem, porque significava que o grupo terrorista tinha membros nos Estados Unidos. Certamente, isso provocava a sua natureza excessivamente superprotetora ultimamnte.



As garotas foram informadas de que os dois homens que tentaram abordá-las eram membros de uma gangue local que estava sequestrando crianças na área. Sara parecia um pouco cética em relação à história, mas aceitou, alegando que seu pai não mentiria para ela (o que, é claro, fez com que Reid se sentisse ainda mais horrível). Isso, além de sua total aversão ao tema, ajudou-o a contornar o problema e seguir em frente com a vida.



Maya, por outro lado, estava francamente duvidosa. Ela não apenas era esperta o suficiente para saber que havia mais, mas também esteve em contato com Reid via Skype durante aquela fase e aparentemente reunira informações suficientes para fazer algumas suposições. Ela mesma havia testemunhado em primeira mão as mortes dos dois radicais na mão do Agente Watson, e não era mais a mesma desde então.



Reid estava completamente perdido sobre o que fazer, alГ©m de tentar continuar com a vida com o mГЎximo de normalidade possГ­vel.

Reid pegou o celular e ligou para a pizzaria da rua, encomendou duas tortas mГ©dias, uma com queijo extra (a favorita de Sara) e outra com salsicha e pimentГЈo verde (a favorita de Maya).

Quando desligou, ouviu passos na escada. Maya voltou para a cozinha.

–Sara está tirando uma soneca.

–De novo? Parecia que Sara estava dormido muito durante o dia ultimamnte.

–Ela não está dormindo à noite?



Maya encolheu os ombros.

–Eu não sei. Talvez você devesse perguntar a ela.

–Eu tentei. Ela não vai me dizer nada.

–Talvez seja porque ela não entende o que aconteceu, sugeriu Maya.

–Eu disse a vocês o que aconteceu. Não me faça dizer de novo, pensou desesperadamente. Por favor, não me faça mentir olhando para o seu rosto novamente.

–Talvez esteja com medo, Maya pressionou. Talvez, porque sabe que seu pai, em quem ela deveria confiar, está mentindo para ela.

–Maya Joanne, Reid advertiu, é bom que você escolha as suas próximas palavras com cuidado…

–Talvez ela não seja a única! Maya não parecia estar recuando. Não dessa vez. Talvez eu esteja com medo também.

–Estamos seguros aqui, Reid disse a ela com firmeza, tentando soar convincente, mesmo que não acreditasse em si mesmo. Uma dor de cabeça estava se formando na frente de seu crânio. Pegou um copo do armário e encheu-o com água fria da torneira.



—Sim, e nós pensamos que estávamos seguros em Nova York, retrucou Maya. Talvez se soubéssemos o que estava acontecendo, o que você realmente estava fazendo, isso facilitaria as coisas. Mas não.

Seja por sua incapacidade de deixГЎ-las sozinhas por vinte minutos ou por suas suspeitas sobre o que aconteceu, nГЈo importava. Ela queria respostas.

–Você sabe muito bem o que passamos. Mas não temos ideia do que aconteceu com você! Ela quase gritava agora:

–Onde você estava, o que você fez, como você se machucou?

–Maya, eu juro… Reid colocou o copo no balcão e apontou um dedo de aviso em sua direção.

–Jura o que? Falar a verdade? Então apenas me diga!

–Eu nãoposso te dizer a verdade! Ele gritou. Quando ele isso, jogou os braços para os lados. Uma mão varreu o copo de água da bancada.

Reid nГЈo teve tempo para pensar ou ponderar. Seus instintos se chocaram e, num gesto rГЎpido e suave, abaixou-se nos joelhos e arrancou o copo do ar antes que ele caГ­sse no chГЈo.



Ele imediatamente respirou arrependido enquanto a ГЎgua espirrava, apenas uma gota derramada.

Maya olhou com os olhos arregalados, embora não soubesse se a surpresa dela era por suas palavras ou ações. Foi a primeira vez que ela o viu se mover daquele jeito – e a primeira vez que reconheceu, em voz alta, que o que disse poderia não ter sido o que havia acontecido. Não importava se ela sabia disso, ou apenas suspeitava disso. Ele havia deixado escapar, e não havia como voltar atrás agora.



—Por pouco, disse rapidamente.

Maya lentamente cruzou os braços sobre o peito, com uma sobrancelha levantada e os lábios franzidos. Conhecia aquele brilho; era um olhar acusatório que herdara de sua mãe.

–Você pode enganar Sara e tia Linda, mas eu não acredito nessa história, nem por um segundo.

Reid fechou os olhos e suspirou. Ela nГЈo ia deixГЎ-lo escapar, entГЈo ele baixou o tom e falou com cuidado.



—Maya, escute. Você é muito inteligente – definitivamente o suficiente para fazer certas suposições sobre o que aconteceu, disse ele. A coisa mais importante é entender que saber certas coisas pode ser perigoso. O perigo potencial pelo qual você passou naquela semana que estava fora, você poderia passar por isso todo o tempo, se soubesse de tudo. Eu não posso dizer se você está certa ou errada. Eu não confirmo ou nego nada. Por enquanto, digamos que você pode acreditar em quaisquer suposições que tenha feito, desde que tenha o cuidado de guardá-las para si mesma.



Maya assentiu devagar. Ela deu uma olhada pelo corredor para se certificar de que Sara nГЈo estava lГЎ antes de dizer:

–Você não é apenas um professor. Você está trabalhando para alguém, do governo – FBI, talvez, ou CIA…

–Jesus, Maya, eu disse guarde para você! Reid gemeu.

–A coisa com as Olimpíadas de Inverno e o fórum em Davos, ela prosseguiu. Você teve algo a ver com isso.

–Eu te disse, eu não vou confirmar ou negar nada.

–E esse grupo terrorista eles continuam falando nas notícias, Amun. Você ajudou a pará-los?

Reid se virou, olhando pela pequena janela que dava para o quintal deles. JГЎ era tarde demais. NГЈo precisava confirmar ou negar nada. Ela podia ver no rosto dele.



—Isso não é um jogo, Maya. É sério, e se o tipo errado de pessoa soubesse…

–Mamãe sabia?



De todas as perguntas que ela poderia ter feito, aquela foi a mais traiçoeira. Ficou em silêncio por um longo momento. Mais uma vez, a mais velha provou ser muito esperta, talvez até demais.



—Eu acho que não, disse calmamente.

–E todas as viagens que você fez antes, disse Maya. Não eram conferências e palestras, eram?

–Não. Não eram.

–Então você parou por um tempo. Você desistiu depois… depois da mamãe…?

–Sim. Mas então precisavam de mim de volta. Isso era uma verdade parcial o bastante para não se sentir como se estivesse mentindo – e esperançosamente o suficiente para saciar a curiosidade de Maya.



Ele se voltou para ela. Ela olhou para o chГЈo de azulejos, com o rosto gravado em uma carranca. Havia, claramente, mais coisas que ela queria perguntar. Ele esperava que ela parasse por ali.



—Mais uma pergunta. Sua voz era quase um sussurro.

–Essas coisas têm alguma coisa a ver com… com a morte da mamãe?

–Ah, Deus. Não, Maya. Claro que não. Ele atravessou o cômodo rapidamente e colocou os braços ao redor dela com força. Não pense assim. O que aconteceu com sua mãe foi algo médico. Isso poderia ter acontecido com qualquer pessoa. Não foi… não teve nada a ver com isso.



—Eu acho que já sabia disso, ela disse calmamente. Tive que perguntar…

–Tudo bem. Essa era a última coisa que queria que ela pensasse, que a morte de Kate estava de alguma forma ligada à vida secreta em que estivera envolvido.



Algo passou pela mente dele – uma visão. Uma lembrança do passado.



Uma cozinha familiar. Sua casa na Virgínia, antes de se mudar para Nova York. Antes dela morrer. Kate está diante de você, tão linda quanto você se lembra – mas sua testa está franzida, seu olhar é duro. Ela está zangada. Gritando. Gesticulando com as mãos em direção a algo na mesa…



Reid recuou, liberando o abraço de Maya enquanto a vaga lembrança lançava uma dor de cabeça na sua testa. Às vezes, seu cérebro tentava lembrar certas coisas de seu passado que ainda estavam trancadas, e a recuperação forçada o deixou com uma leve enxaqueca na frente de seu crânio. Mas desta vez foi diferente, estranho; a memória claramente era de Kate, algum tipo de discussão que não conseguia lembrar.



—Papai, você está bem? Maya perguntou.

A campainha tocou de repente, assustando os dois.



—Ah, sim, ele murmurou. Estou bem. Deve ser a pizza. Olhou para o relógio e franziu a testa. Foi muito rápido. Eu já volto. Atravessou o vestíbulo e olhou pelo olho mágico. Do lado de fora havia um rapaz de barba escura com um olhar meio vago, usando uma camisa polo vermelha com o logotipo da pizzaria.



Mesmo assim, Reid verificou por cima do ombro para se certificar de que Maya não estava assistindo, e então colocou uma mão na jaqueta marrom escura que estava pendurada em um gancho perto da porta. No bolso interno havia uma Glock 22 carregada. Desligou o sistema de segurança e enfiou-a na parte de trás da calça antes de abrir a porta.



—Entrega para Lawson, disse o cara da pizza, monótono.

–Sim, sou eu. Quanto?

O cara embalou as duas caixas com um braço enquanto alcançava o bolso de trás. Reid instintivamente também fez o mesmo.



Ele viu o movimento pelo canto do olho e seu olhar foi para a esquerda. Um homem com um corte militar estava atravessando o gramado da frente com pressa – mas o mais importante, estava claramente usando uma arma no coldre no quadril, e sua mão direita estava no cabo da arma.




CAPГЌTULO DOIS


Reid ergueu o braço como um guarda de trânsito que parou o tráfego.



—Tudo bem, senhor Thompson, ele gritou. É apenas a pizza.

O homem mais velho em seu gramado da frente, com seu corte militar e uma pança pequena, parou no caminho. O cara da pizza olhou por cima do ombro e, pela primeira vez, mostrou alguma emoção – seus olhos se arregalaram em choque quando viu a arma e a mão repousando sobre ela.



—Tem certeza, Reid? O Sr. Thompson olhou para o cara da pizza com desconfiança.

–Tenho certeza.

O entregador retirou lentamente um recibo do bolso.

–Ah, são dezoito, disse, perplexo.

Reid deu a ele vinte e mais dez e pegou as caixas.

–Fique com o troco.

O cara da pizza nГЈo precisou ser avisado duas vezes. Correu de volta para o carro que o estava esperando, pulou lГЎ para dentro e cantou pneus. O Sr. Thompson observou-o ir embora, com os olhos estreitados.



—Obrigado, senhor Thompson, disse Reid. Mas é apenas pizza.

–Eu não gostei da aparência daquele cara, seu vizinho da porta ao lado rosnou. Reid gostava muito daquele homem mais velho – embora pensasse que Thompson levou seu novo papel de ficar atento em relação à família Lawson a sério demais. Mesmo assim, Reid decididamente preferia ter alguém um pouco mais zeloso do que alguém que não gostasse de fazer aquilo.



—Nunca é demais, acrescentou Thompson. Como estão as meninas?

–Elas estão bem. Reid sorriu agradavelmente. Mas, é… você tem que carregar isso na cintura, assim, o tempo todo? Ele gesticulou para a Smith & Wesson no quadril de Thompson.

O homem mais velho parecia confuso.

–Bem, sim. Meu CHP expirou e a Virginia é um estado de porte legalizado.

–…Certo. Reid forçou outro sorriso. Claro. Mais uma vez obrigado, senhor Thompson. Eu vou deixar você saber se precisar de alguma coisa.

Thompson assentiu e depois saiu pelo gramado até a casa dele. O Subdiretor Cartwright assegurou a Reid aquele senhor era estava em boa forma; Thompson era um Agente aposentado da CIA e, embora estivesse fora de campo por mais de duas décadas, estava claramente feliz – se não um pouco ansioso – por ser útil novamente.



Reid suspirou e fechou a porta atrás dele. Trancou e ativou o alarme de segurança novamente (que estava se tornando um ritual toda vez que abria ou fechava a porta), e então se virou para encontrar Maya em pé atrás dele no foyer.

–O que foi aquilo? Ela perguntou.

–Ah nada. O Sr. Thompson só queria dizer —oi—.



Maya cruzou os braços novamente.

–E eu que pensei que estávamos fazendo um progresso bom.

–Não seja ridícula. Reid zombou dela. Thompson é apenas um idoso inofensivo…

–Inofensivo? Ele carrega uma arma aonde quer que vá – protestou Maya. E não pense que eu não o vejo nos observando de sua janela. É como se ele estivesse espionando…  Sua boca se abriu um pouco. Ah meu deus, ele sabe sobre você? O Sr. Thompson é um espião também?



—Chhh, Maya, eu não sou um espião.

–Na verdade, pensou, é exatamente o que você é…

–Eu não acredito nisso! Ela exclamou. É por isso que ele é nossa babá quando você sai?

–Sim, ele admitiu em voz baixa. Não tinha que dizer a ela as verdades não solicitadas, mas não havia muito sentido em esconder as coisas dela já que faria estimativas tão precisas, de qualquer maneira.



Esperava que ficasse irritada e começasse a lançar acusações novamente, mas em vez disso ela balançou a cabeça e murmurou:

– Irreal. Meu pai é espião e nosso maluco da porta ao lado é o guarda-costas. Então, para sua surpresa, ela o abraçou pelo pescoço, quase derrubando as caixas de pizza da mão dele:

–Eu sei que você não pode me dizer tudo. Tudo que eu queria era alguma verdade.

–Sim, sim, ele murmurou. Arriscando a segurança internacional para ser um bom pai. Agora vá acordar sua irmã antes que a pizza fique fria. E Maya? Nem uma palavra disso para Sara.

Foi atГ© a cozinha e pegou alguns pratos e guardanapos e serviu trГЄs copos de refrigerante. Alguns momentos depois, Sara se arrastou para a cozinha, esfregando seus olhos de sono.



—Oi, papai, ela murmurou.

–Ei, querida. Sente-se. Você tem dormindo bem?

–Mm, ela murmurou vagamente. Sara pegou um pedaço de pizza e mordeu a ponta, mastigando em círculos lentos e preguiçosos.

Estava preocupado com ela, mas tentou não deixar transparecer. Em vez disso, pegou uma fatia da pizza de linguiça e pimenta. Estava a meio caminho de sua boca quando Maya interveio, arrancando-a de sua mão.



—O que você acha que está fazendo? Ela exigiu.

–…Comendo? Ou tentando.

–Hum, não. Você tem um encontro, lembra?

–O que? Não, isso é amanhã… Parou, incerto. Ah, Deus, é hoje à noite, não é? Quase bateu na própria testa.



—Claro que sim, disse Maya com uma boca cheia de pizza.

–Além disso, não é um encontro. É jantar com um amigo.

Maya encolheu os ombros. Bem. Mas se você não se preparar, você vai se atrasar para o —jantar com um amigo.

Olhou para o relГіgio. Estava certa; ele deveria encontrar Maria Г s cinco.

–Vá, sh. Se troque. Ela o conduziu para fora da cozinha e correu para o andar de cima.



Com tudo acontecendo e suas contínuas tentativas de iludir seus próprios pensamentos, quase esqueceu a promessa de se encontrar com Maria. Houve várias tentativas malucas nas últimas quatro semanas, sempre com algo atrapalhando de um lado ou de outro – embora, se ele estivesse sendo honesto consigo mesmo, geralmente, ele dava desculpas. Maria parecia finalmente cansar-se disso e não só planejara o passeio, como também escolhera um lugar entre Alexandria e Baltimore, onde ela morava, se ele prometesse vê-la.



Ele sentia falta dela. Sentia falta de estar perto dela. Eles não eram apenas parceiros na Agência; havia uma história, mas Reid não conseguia se lembrar da maior parte. De quase nada, na verdade. Tudo o que sabia era que, quando estava perto dela, havia um sentimento distinto de que estava na companhia de alguém que se importava com ele – uma amiga, alguém em quem ele podia confiar, e talvez até mais do que isso.



Entrou em seu closet e tirou um conjunto que achava que iria funcionar bem para a ocasião. Era fã de um estilo clássico, embora soubesse que seu guarda-roupa, provavelmente, era de pelo menos uma década atrás. Vestiu um par de calças cáqui plissadas, uma camisa xadreza e uma jaqueta de tweed com remendos de couro nos cotovelos.



—É isso que você vai vestir? Maya perguntou, assustando-o. Estava encostada no batente da porta do quarto dele, mastigando casualmente uma borda de pizza.

–O que há de errado?

–O que há de errado é que você parece que acabou de sair de uma sala de aula. Venha. Ela o levou pelo braço de volta para o closet e começou a revirar as roupas dele. Nossa, papai, você se veste como se tivesse oitenta anos…



—O que foi?

–Nada! Ela o chamou de volta. Ah. Aqui. Ela tirou um casaco esportivo preto – o único que ele possuía. Use isso, com algo cinza embaixo. Ou branco. Uma camiseta ou uma polo. Livre-se das calças de papai e coloque um jeans. Escuros. Justinhos.



A pedido de sua filha, mudou de roupa enquanto ela o esperava no corredor. Ele supunha que deveria se acostumar com essa estranha inversГЈo de papГ©is, pensou. Um momento era o pai superprotetor; no outro estava desmoronando diante de sua desafiadora e astuta filha.



—Muito melhor, disse Maya quando ele se apresentou novamente. Você quase parece estar pronto para um encontro.

–Obrigado, ele disse, —e isso não é um encontro.

–Você continua dizendo isso. Mas você vai jantar e beber com uma mulher misteriosa que você diz ser uma velha amiga, mesmo que você nunca tenha mencionado ela e nunca a tenhamos conhecido…

–Ela é uma velha amiga…

–E, devo acrescentar, Maya disse atropelando-o, ela é bastante atraente. Nós a vimos sair do avião em Dulles. Então, se algum de vocês está procurando algo mais do que ser —velhos amigos, este é um encontro.



—Deus, você e eu não estamos falando sobre isso. Reid estremeceu. Mas em sua mente, estava entrando em pânico ligeiramente. Ela está certa. É um encontro. Ele vinha fazendo tanta ginástica mental ultimamnte que não parou o suficiente para considerar o que —jantar e beber— significava para um casal de adultos solteiros. Tudo bem, admitiu —vamos dizer que é um encontro. Hum… o que eu faço?

–Você está me perguntando? Eu não sou exatamente uma especialista. Maya sorriu. Fale com ela. Conheça-a melhor. E por favor, tente ao máximo ser interessante.

Reid zombou e balançou a cabeça.Com licença, mas sou muito interessante. Quantas pessoas você conhece que podem falar da história inteira da Rebelião Bulavin?

–Apenas uma. Maya revirou os olhos. E não fale para essa mulher toda a história da Rebelião Bulavin.



Reid riu e abraçou a filha.

–Você vai ficar bem, ela assegurou.

–Você também vai, disse ele. Eu vou ligar para o Sr. Thompson para vir…

–Papai, não! Maya se afastou de seu abraço. Por favor. Eu tenho dezesseis anos. Eu posso olhar a Sara por algumas horas.



—Maya, você sabe o quanto é importante para mim que vocês duas não estejam sozinhas…

–Papai, ele cheira a óleo de motor, e tudo o que ele fala é 'os bons e velhos tempos' com os fuzileiros, disse ela exasperada. Nada vai acontecer. Nós vamos comer pizza e assistir a um filme. Sara vai estar na cama antes de você voltar. Nós ficaremos bem.



—Eu ainda acho que o Sr. Thompson deveria vir.

–Ele pode espiar pela janela como costuma fazer. Nós ficaremos bem. Eu prometo. Temos um ótimo sistema de segurança e trancas em todas as portas, e eu sei da arma perto da porta da frente…

–Maya! Reid exclamou. Como ela sabia disso? Não mexa com isso, você entende?

–Eu não vou tocá-la, disse ela. Estou apenas dizendo. Eu sei que está ali. Por favor. Deixe-me provar que posso fazer isso.



Reid nГЈo gostou da ideia de as meninas estarem sozinhas em casa, de maneira alguma, mas ela estava praticamente implorando. Diga-me o plano de fuga, disse ele.



—Tudinho?! Ela protestou.

–Tudinho.



—Tudo bem. Ela virou o cabelo por cima do ombro, como sempre fazia quando estava irritada. Seus olhos rolaram para o teto enquanto ela recitava, monótona, o plano que Reid tinha feito logo após a sua chegada na nova casa. Se alguém vier até a porta da frente, devo primeiro certificar-me de que o alarme está acionado e que a fechadura e a trava estão ligadas. Então eu vejo no olho mágico para ver se é alguém que eu conheço. Se não for, eu ligo para o Sr. Thompson e peço que ele investigue primeiro.

–E se for? Ele perguntou.



—Se é alguém que eu conheço, Maya continuou, eu verifico a janela lateral – cuidadosamente – para ver se há mais alguém com a pessoa. Se houver, eu chamo o Sr. Thompson para vir e investigar.



—E se alguém tentar forçar a porta?

–Então, vamos para o porão e entramos na sala de ginástica, ela falou. Uma das primeiras reformas que Reid fez ao entrar foi ter a porta da pequena sala no porão substituída por outra de aço por dentro. Tinha três fechaduras pesadas e dobradiças de liga de alumínio. Era à prova de balas e à prova de fogo, e a equipe de tecnologia da CIA que o instalara alegava que precisaria de uma dúzia de aríetes da SWAT para derrubá-la. Isso efetivamente transformou a pequena academia em uma sala de segurança.

–E então? Ele perguntou.

–Nós chamamos o Sr. Thompson primeiro, disse ela. E então nove e um. Se nos esquecermos de nossos celulares ou não conseguirmos acessá-los, há um telefone fixo no porão pré-programado com o número dele.

–E se alguém invadir, e você não puder chegar ao porão?

–Então, vamos para a saída mais próxima disponível, Maya disparou. Uma vez lá fora, fazemos o máximo de barulho possível.



Thompson tinha um monte de limitações, mas dificuldade de ouvir não era uma delas. Certa noite, Reid e as garotas estavam com a TV muito alta enquanto assistiam a um filme de ação, e Thompson veio correndo ao som do que achava que poderiam ter sido tiros.

–Mas devemos sempre ter nossos telefones conosco, no caso de precisarmos fazer uma ligação assim que estivermos em algum lugar seguro.

Reid assentiu com aprovação. Ela recitou todo o plano – exceto uma parte pequena, mas crucial.

–Você esqueceu algo.

–Não, eu não. Ela franziu a testa.

–Quando estiver em algum lugar seguro, e depois de ligar para Thompson e as autoridades…?

–Ah, certo. Então ligamos para você imediatamente e informamos o que aconteceu.

–OK.

–Ok? Maya levantou uma sobrancelha. Ok, como, você vai nos deixar sozinha desta vez?

Ele ainda nГЈo gostava da ideia. Mas seria sГі por algumas horas, e Thompson estaria bem ao lado.

–Sim, disse ele, finalmente.



Maya soltou um suspiro de alГ­vio.

–Obrigada. Nós ficaremos bem, eu juro. Ela o abraçou novamente, brevemente. Virou a cabeça para baixo, mas depois pensou em outra coisa.

–Posso fazer apenas mais uma pergunta?

–Certo. Mas eu não posso prometer que vou responder.

–Você vai começar a… viajar, de novo?



—Ah. Mais uma vez a pergunta dela o pegou de surpresa. A CIA lhe ofereceu o emprego de volta – na verdade, o próprio diretor da Inteligência Nacional havia exigido que Kent Steele fosse reintegrado, mas Reid ainda não tinha dado uma resposta, e a Agência ainda não havia exigido uma. Na maioria dos dias ele evitava completamente pensar nisso.



—Eu… gostaria de dizer não. Mas a verdade é que eu não sei. Eu ainda não me decidi. Ele fez uma pausa antes de perguntar:

– O que você pensaria se eu voltasse?

–Você quer minha opinião? Ela perguntou surpresa.

–Sim eu quero. Você é honestamente uma das pessoas mais inteligentes que conheço e sua opinião é muito importante para mim.

–Quero dizer… por um lado, é bem legal, saber o que eu sei agora.

–Sabendo o que você acha que sabe, Reid corrigiu.

–Mas também é bem assustador. Eu sei que há uma chance muito real de você se machucar, ou… ou algo pior. Maya ficou quieta por um tempo.

–Você gosta disso? Trabalhar para eles?



Reid não respondeu diretamente a ela. Estava certa; a provação pela qual ele passara tinha sido aterrorizante e ameaçara sua vida mais de uma vez, assim como a vida de ambas as garotas. Não suportaria se algo acontecesse com elas. Mas a dura verdade – e uma das maiores razões pelas quais ele se mantinha tão ocupado ultimamnte – era que gostava disso e sentia falta disso. Kent Steele ansiava pela caçada.



Houve um tempo, quando tudo isso começou, que ele reconhecia essa parte dele como se fosse uma pessoa diferente, mas isso não era verdade. Kent Steele era um pseudônimo. Ele ansiava por isso. Sentia falta disso. Era uma parte dele, tanto quanto ensinar e criar duas garotas. Embora suas lembranças fossem confusas, era parte de seu eu maior, sua identidade, e não fazer aquilo era como uma estrela do esporte sofrer uma lesão que acabasse com a sua carreira: trouxe consigo a pergunta: Quem sou eu, se não for ele?



NГЈo precisou responder Г  pergunta dela em voz alta. Maya podia ver em seu olhar a mil metros.

–Qual é o nome dela de novo? Ela perguntou de repente, mudando de assunto.

Reid sorriu timidamente. Maria—

–Maria, disse ela pensativa. Certo. Aproveite o seu encontro. Maya desceu as escadas.

Antes de seguir, Reid teve uma pequena reflexão tardia. Abriu a gaveta de cima da cômoda e remexeu na parte de trás até encontrar o que estava procurando – uma garrafa velha de colônia cara, que não usava há dois anos. Era a favorita de Kate. Ele cheirou o difusor e sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era um aroma familiar e almiscarado que carregava consigo uma enxurrada de boas lembranças.



Ele borrifou algumas vezes o perfume no pulso e passou em cada lado do pescoço. O cheiro era mais forte do que ele lembrava, mas agradável.

EntГЈo, outra memГіria passou por sua visГЈo.

A cozinha na VirgГ­nia. Kate estГЎ com raiva, apontando para alguma coisa na mesa. NГЈo apenas com raiva, ela estГЎ com medo. Por que vocГЄ tem isso, Reid? Ela pergunta acusadoramente. E se uma das meninas tivesse encontrado? Me responda!



Ele afastou a visão antes que a inevitável enxaqueca aparecesse, mas isso não tornou a experiência menos perturbadora. Não conseguia se lembrar de quando ou por que essa briga aconteceu; ele e Kate raramente discutiam, e na memória ela parecia assustada – ou com medo do que quer que eles estivessem discutindo a respeito, ou possivelmente com medo dele. Nunca lhe dera uma razão para se amedrontar. Pelo menos não que ele pudesse se lembrar…



Suas mãos tremiam quando uma nova percepção o atingiu. Não conseguia se lembrar, o que significava que poderia ter sido suprimida pelo implante. Mas por que quaisquer memórias de Kate foram apagadas com o Agente Zero?

–Papai! Maya o chamou do fundo das escadas. Você vai se atrasar!



—Sim, ele murmurou. Chegando. Ele teria que encarar a realidade de que ou ele procurava uma solução para seu problema, ou as lembranças ocasionais que ressurgiam continuariam a se arrastar, confusas e dissonantes.

Mas enfrentaria essa realidade mais tarde. Agora tinha uma promessa a cumprir.



Ele desceu as escadas, beijou cada uma de suas filhas no topo da cabeça e saiu para o carro. Antes de caminhar pela calçada, ele se certificou de que Maya havia acionado o alarme, e então entrou na SUV prateada que havia comprado algumas semanas antes.



Mesmo que estivesse muito nervoso e certamente excitado em ver Maria de novo, ele ainda não conseguia sacudir a bola de medo em seu estômago. Não podia deixar de sentir que deixar as meninas sozinhas, mesmo que por pouco tempo, era uma péssima ideia. Se os eventos do mês anterior lhe ensinaram alguma coisa, foi em primeiro lugar que não faltavam ameaças para vê-lo sofrer.




CAPГЌTULO TRГЉS


—Como você está se sentindo esta noite, senhor? A enfermeira da noite perguntou educadamente quando ela entrou em seu quarto de hospital. O nome dela era Elena, ele sabia, e era suíça, embora falasse com ele em inglês com um sotaque acentuado. Ela era baixinha e jovem, a maioria diria bonita, e bem alegre.



Rais não disse nada em resposta. Ele nunca respondia. Apenas olhou quando ela colocou um copo de isopor em sua mesa de cabeceira e começou a inspecionar cuidadosamente suas feridas. Sabia que sua alegria era supercompensação por seu medo. Sabia que não gostava de estar no quarto com ele, apesar da dupla de guardas armados atrás dela, observando cada movimento seu. Ela não gostava de tratá-lo, nem de falar com ele.



NinguГ©m gostava.

A enfermeira, Elena, inspecionou suas feridas com cautela. Ele podia dizer que ela estava nervosa perto dele. Sabiam o que tinha feito; que havia matado em nome de Amun.



Ficariam com muito mais medo se soubessem quantos, pensou ironicamente.

–Você está se curando muito bem, ela disse a ele. Mais rápido do que o esperado. Ela dizia aquilo a ele todas as noites, o que para ele significava espero que você vá embora daqui em breve.



Isso não era uma boa notícia para Rais, porque quando estivesse finalmente bem o suficiente para sair, provavelmente seria enviado para um buraco horrível no chão, um local escuro da CIA no deserto, para ganhar mais ferimentos enquanto o torturavam por informações.



Como Amun, nós aguentamos. Esse tinha sido seu mantra por mais de uma década, mas esse não era mais o caso. Amun não existia mais, até onde Rais sabia; sua ação em Davos havia fracassado, seus líderes tinham sido detidos ou mortos, e todas as Agências de segurança do mundo sabiam deles, o glifo de Amun que seus membros tinham queimando a pele.



Rais nГЈo tinha permissГЈo para assistir Г  televisГЈo, mas recebeu notГ­cias de seus guardas policiais armados, que falavam com frequГЄncia (e com bastante afinco, muitas vezes para o aborrecimento de Rais).



Ele próprio tirou a marca de sua pele antes de ser levado ao hospital em Sion, mas acabou sendo em vão; eles sabiam quem era e pelo menos um pouco do que tinha feito. Mesmo assim, a cicatriz irregular e manchada de rosa, onde a marca já estivera em seu braço, era um lembrete diário de que Amun não existia mais, e assim parecia apropriado que seu mantra mudasse.



Eu aguento.

Elena pegou o copo de isopor, cheio de ГЎgua gelada e um canudo.

–Você gostaria de algo para beber?

Rais não disse nada, mas ele se inclinou para a frente e separou os lábios. Ela guiou o canudo na direção dele com cautela, com os braços totalmente estendidos e travados nos cotovelos, o corpo reclinado em ângulo. Estava com medo; quatro dias antes, Rais tentara morder o Dr. Gerber. Seus dentes tinham raspado o pescoço do médico, nem mesmo rasgou a pele, mas ainda assim, justificou um soco no queixo vindo de um de seus guardas.



Rais nГЈo tentou nada dessa vez. Tomou goles longos e lentos atravГ©s do canudo, aproveitando o medo da menina e a ansiedade tensa dos dois policiais que o observavam atrГЎs dela. Quando terminou, ele se inclinou para trГЎs novamente. Ela suspirou audivelmente de alГ­vio.

Eu suporto.



Ele havia sofrido bastante nas Гєltimas quatro semanas. Havia sofrido uma nefrectomia para remover seu rim perfurado. Havia sofrido uma segunda cirurgia para extrair uma parte de seu fГ­gado dilacerado. Havia sofrido um terceiro procedimento para garantir que nenhum de seus outros ГіrgГЈos vitais tivesse sido danificado.



Passou vГЎrios dias na UTI antes de ser transferido para uma unidade mГ©dico-cirГєrgica, mas nunca saiu da cama onde estava algemado pelos dois pulsos. As enfermeiras o viraram e mudaram sua comadre e o mantiveram tГЈo confortГЎvel quanto puderam, mas ele nunca teve permissГЈo para se levantar, ficar de pГ©, para se movimentar por vontade prГіpria.



As sete facadas em suas costas e uma em seu peito foram suturadas e, como a enfermeira noturna, Elena, continuamente lhe lembrava, estava curando bem. Ainda assim, havia pouco que os mГ©dicos pudessem fazer sobre os danos nos nervos. ГЂs vezes, suas costas inteiras ficavam dormentes, atГ© os ombros e ocasionalmente atГ© os bГ­ceps. NГЈo sentia nada, como se aquelas partes de seu corpo pertencessem a outra pessoa.



Outras vezes acordava de um sono sólido com um grito na garganta enquanto uma dor lancinante rasgava através dele como uma tempestade de raios furiosa. Nunca durou muito, mas era aguda, intensa e vinha de forma irregular. Os médicos os chamavam de —ferrões, um efeito colateral visto às vezes naqueles com danos nos nervos tão extensos quanto os dele. Eles asseguraram-lhe que esses ferrões frequentemente desapareciam e paravam por completo, mas não podiam dizer quando isso aconteceria. Em vez disso, disseram que tinha sorte de não haver danos na medula espinhal. Eles disseram que teve sorte de ter sobrevivido aos ferimentos.



Sim, sorte, pensou amargamente. Sorte que estava se recuperando apenas para ser empurrado para os braços de um lugar escuro da CIA. Sorte de ter tempos de trabalho, tudo eliminado ao longo de um único dia. Sorte de ter sido vencido não uma, mas duas vezes por Kent Steele, um homem que ele odiava, detestava, com todas as forças possíveis de seu ser.

Eu aguento.



Antes de sair do quarto, Elena agradeceu aos dois oficiais em alemГЈo e prometeu levar-lhes cafГ© quando voltasse mais tarde. Depois que ela foi embora, retomaram o posto do lado de fora de sua porta, que estava sempre aberta, e retomaram a conversa, algo sobre um recente jogo de futebol.



Rais era bastante versado em alemГЈo, mas as particularidades do dialeto suГ­Г§o-alemГЈo e a velocidade com que falavam tornava o entendimento confuso, Г s vezes. Os oficiais do turno diurno geralmente conversavam em inglГЄs, e foi assim que ele recebeu muitas de suas notГ­cias sobre os acontecimentos do lado de fora do seu quarto de hospital.



Ambos eram membros do EscritГіrio Federal de PolГ­cia da SuГ­Г§a, que exigia que ele tivesse dois guardas em seu quarto o tempo todo, vinte e quatro horas por dia. Eles revezavam em turnos de oito horas, com uma dupla totalmente diferente de guardas Г s sextas-feiras e ao fim de semana.



Sempre havia dois, sempre; se um policial tivesse que usar o banheiro ou comer alguma coisa, primeiro teria que ligar para chamar um dos guardas de segurança do hospital e aguardar a chegada dele. A maioria dos pacientes em sua condição e com esta recuperação provavelmente teria sido transferida para um centro de trauma de nível inferior, mas Rais permaneceu no hospital. Era uma instalação mais segura, com suas unidades trancadas e guardas armados.



Sempre havia dois. Sempre. E Rais havia determinado que isso poderia funcionar a seu favor.

Teve muito tempo para planejar sua fuga, especialmente nos últimos dias, quando os níveis de medicação diminuíram e ele pôde pensar com lucidez. Passou por vários cenários em sua cabeça, vários e vários. Memorizou horários e interceptou conversas. Não demoraria muito para que o dispensassem – uma questão de dias, no máximo.



Tinha que agir, e decidiu que faria isso hoje Г  noite.

Seus guardas se tornaram complacentes ao longo das semanas de sentinela do lado de fora de sua porta. Eles o chamavam de —terrorista, e sabiam que era um assassino, mas além do incidente com o Dr. Gerber alguns dias antes, Rais não tinha feito nada além de ficar em silêncio, quase imóvel, e permitir que a equipe cumprisse suas obrigações. Se ninguém estava na sala com ele, os guardas mal prestavam atenção, a não ser ocasionalmente olhavam para ele.



Não tentou morder o médico por maldade ou malícia, mas por necessidade. Gerber estivera debruçado sobre ele, inspecionando a ferida em seu braço, onde cortara a marca de Amun – e o bolso do jaleco branco do médico roçara os dedos da mão algemada de Rais. Ele pulou, estalando as mandíbulas, e o médico deu um pulo para trás assustado quando os dentes roçaram seu pescoço.

E uma caneta-tinteiro permaneceu firme no punho de Rais.



Um dos oficiais de plantão lhe dera um duro soco no rosto e, no momento em que o golpe o acertou, Rais enfiou a caneta sob os lençóis, colocando-a sob a coxa esquerda. Ali ficou por três dias, escondida sob os lençóis, até a noite anterior. Ele havia tirado o objeto enquanto os guardas conversavam no corredor.



Com uma das mãos, incapaz de ver o que estava fazendo, separou as duas metades da caneta e retirou o cartucho, trabalhando devagar e com firmeza para que a tinta não se derramasse. A caneta era de ponta de ouro de estilo clássico. Ele colocou a metade de volta sob o lençol. A metade de trás tinha um clipe de bolso de ouro, que ele cuidadosamente ergueu e afastou com o polegar até que se soltasse.



A algema em seu pulso esquerdo permitia um pouco menos de 30 centímetros de mobilidade para seu braço, mas se esticasse a mão até o limite, poderia alcançar os primeiros centímetros do suporte da cabeceira. A mesa era simples, de tábuas de madeira lisa, mas a parte de baixo era áspera como uma lixa.



No decorrer das exaustivas e dolorosas quatro horas na noite anterior, Rais gentilmente esfregou o clipe da caneta para frente e para trás ao longo da parte inferior da mesa, tomando cuidado para não fazer muito barulho. Com cada movimento, ele temia que o clipe escorregasse de seus dedos, ou que os guardas notassem o movimento, mas seu quarto estava escuro e estavam em profunda conversa. Ele trabalhou e trabalhou até afiar o clipe como uma agulha. Então, o clipe desapareceu sob os lençóis também, ao lado da outra parte.



Sabia, por meio de trechos de conversas, que haveria trГЄs enfermeiras noturnas na unidade, Elena, com outras duas de plantГЈo, se necessГЎrio. Elas, alГ©m de seus guardas, significavam pelo menos cinco pessoas com quem ele teria que lidar, e no mГЎximo sete.



NinguГ©m dentre a equipe mГ©dica gostava de atendГЄ-lo, sabendo quem era, entГЈo eles verificavam o quarto com uma baixГ­ssima frequГЄncia. Agora que Elena tinha feito o que precisava fazer, Rais sabia que teria algo entre sessenta e noventa minutos antes que ela pudesse voltar.



Seu braço esquerdo estava preso por uma contenção padrão do hospital, o que os profissionais às vezes chamavam de —quatro ponteiros—. Era uma algema azul macia que ficava em volta do pulso com uma cinta de nylon branca justa em volta, a outra extremidade ficava firmemente presa no corrimão de aço da cama dele. Por causa da gravidade de seus crimes, seu pulso direito estava algemado.



Os dois guardas do lado de fora conversavam em alemГЈo. Rais ouviu atentamente; o da esquerda, Luca, parecia estar reclamando que sua esposa estava engordando. Rais quase zombou; Luca estava longe de ser magro. O outro, um homem chamado Elias, era mais jovem e atlГ©tico, mas tomava cafГ© em doses que deveriam ser letais para a maioria dos humanos.



Todas as noites, entre noventa minutos e duas horas em seu turno, Elias telefonava para o guarda noturno para que pudesse se aliviar. Enquanto estava fora, Elias saГ­a para fumar um cigarro, de modo que, com o intervalo do banheiro, significava que geralmente gastaria de oito a onze minutos. Rais passara as Гєltimas vГЎrias noites contando em silГЄncio os segundos das ausГЄncias de Elias.



Era uma janela de oportunidade muito estreita, mas para a qual estava preparado.

Ele alcançou sob seus lençóis o clipe afiado e segurou-o nas pontas dos dedos de sua mão esquerda. Então, cuidadosamente, jogou-o em um movimento de arco sobre seu corpo. O clipe aterrissou com destreza na palma da mão direita.



Em seguida, viria a parte mais difícil do seu plano. Ele puxou o pulso para que a corrente da algema estivesse esticada e, enquanto a segurava dessa maneira, torceu a mão e passou a ponta afiada do clipe para dentro do buraco da fechadura ao redor do corrimão de aço.



Era um movimento difícil e desajeitado, mas havia escapado de algemas antes; sabia que o mecanismo de captura era projetado de modo que uma chave universal pudesse abrir praticamente qualquer algema, e conhecer o funcionamento interno de uma fechadura significava simplesmente fazer os ajustes certos para acionar os pinos lá dentro. Ele teve que manter a corrente esticada, no entanto, para evitar que a braçadeira batesse contra o corrimão e alertasse seus guardas.



Levou quase vinte minutos, virando-se, fazendo pequenas pausas para aliviar seus dedos doloridos e tentando de novo, mas finalmente a fechadura estalou e a algema se abriu. Rais retirou-a cuidadosamente do corrimГЈo.

Uma mГЈo estava livre.

Estendeu a mГЈo e apressadamente soltou a parte esquerda.



Ambas as mГЈos estavam livres.

Ele guardou o clipe sob os lençóis e retirou a metade superior da caneta, segurando-a na palma da mão de modo que apenas a ponta afiada estivesse exposta.

Do lado de fora de sua porta, o oficial mais jovem se levantou de repente. Rais segurou o fГґlego e fingiu estar dormindo quando Elias olhou para ele.



—Ligue para Francis, certo? Disse Elias em alemão. Eu tenho que mijar.

–Claro, disse Luca com um bocejo. Ligou para o guarda noturno do hospital, que normalmente estava atrás da recepção no primeiro andar. Rais havia visto Francis muitas vezes; era um homem mais velho, com mais ou menos cinquenta anos, talvez com sessenta e poucos anos, com um corpo magro. Carregava uma arma, mas seus movimentos eram lentos.



Era exatamente o que Rais esperava. Não queria lutar contra o policial mais novo em seu estado ainda em recuperação.

TrГЄs minutos depois, Francis apareceu de uniforme branco e gravata preta, e Elias correu para o banheiro. Os dois homens do lado de fora trocaram gentilezas enquanto Francis pegava o assento de plГЎstico de Elias com um suspiro pesado.



Era hora de agir.

Rais cuidadosamente deslizou para o final da cama e colocou os pés descalços no azulejo frio. Já fazia algum tempo desde que usara as pernas, mas estava confiante de que seus músculos não haviam atrofiado a ponto de deixá-lo na mão.



Ficou de pé com cuidado, em silêncio, e então seus joelhos se dobraram. Agarrou a beira da cama em busca de apoio e lançou um olhar para a porta. Ninguém veio; as vozes continuaram. Os dois homens não ouviram nada.



Rais ficou trГЄmulo, ofegante e deu alguns passos silenciosos. Suas pernas estavam fracas, com certeza, mas ele sempre foi forte quando necessГЎrio, e precisava ser forte agora. Sua roupa de hospital fluiu ao redor dele, aberta na parte de trГЎs. A roupa sГі o impediria, entГЈo ele a puxou, ficando descaradamente nu no quarto do hospital.

A outra parte da caneta em seu punho, ele tomou uma posição logo atrás da porta aberta, e soltou um assobio baixo.

Os dois homens ouviram, aparente pela repentina raspagem das pernas das cadeiras quando se levantaram de seus assentos. A silhueta de Luca encheu a porta enquanto ele olhava para o quarto escuro.

—Mein Gott! Ele murmurou quando entrou apressadamente, notando a cama vazia.

Francis seguiu com sua mГЈo no coldre da arma.



Assim que o guarda mais velho passou, Rais saltou para a frente. Enfiou o objeto na garganta de Luca e torceu, rasgando sua carГіtida. O sangue espirrou generosamente da ferida aberta, e parte dele espirrou na parede oposta.

Ele soltou o objeto e correu para Francis, que estava lutando para sacar sua arma. Sacar, engatilhar e mirar – a reação do guarda mais velho foi lenta, custando-lhe vários segundos preciosos que ele simplesmente não tinha.



Rais bateu em dois golpes, o primeiro para cima logo abaixo do umbigo, imediatamente seguido de um golpe para baixo no plexo solar. Um deles forçava a entrada de ar nos pulmões, enquanto o outro forçava o ar a sair, e o súbito e dissonante efeito que provocava em um corpo confuso era, em geral, visão embaçada e, às vezes, perda de consciência.

Francis cambaleou, incapaz de respirar, e caiu de joelhos. Rais girou atrás dele e, com um movimento preciso, quebrou o pescoço do guarda.



Luca agarrou sua garganta com as duas mГЈos enquanto sangrava, murmГєrios e leves suspiros subindo em sua garganta. Rais observou e contou os onze segundos atГ© o homem perder a consciГЄncia. Sem parar o fluxo sanguГ­neo, estaria morto em menos de um minuto.



Ele rapidamente pegou as armas dos dois guardas e as colocou na cama. A próxima fase do seu plano não seria fácil; teria que se esgueirar pelo corredor, sem ser visto, até o armário de suprimentos onde haveria roupas de reposição. Não podia muito deixar o hospital no uniforme reconhecível de Francis, ou no agora ensanguentado uniforme de Luca.

Ele ouviu uma voz masculina no corredor e congelou.



Era o outro oficial, Elias. Tão cedo? A ansiedade subiu no peito de Rais. Então ele ouviu uma segunda voz – a enfermeira da noite, Elena. Aparentemente, Elias tinha pulado o intervalo do cigarro para conversar com a bela jovem enfermeira, e agora ambos estavam indo pelo corredor em direção ao seu quarto. Passariam por ele por um breve momento.



Ele preferiria nГЈo ter que matar Elena. Mas se fosse uma escolha entre ele e ela, ela morreria.

Rais pegou uma das armas da cama. Era uma Sig P220, toda preta, calibre .45. Pegou-a com a mГЈo esquerda. O peso parecia agradГЎvel e familiar, como uma velha chama. Com a direita ele segurou a metade aberta das algemas. E entГЈo ele esperou.

As vozes no corredor ficaram em silГЄncio.



—Luca? Elias gritou.  Francis? O jovem oficial soltou a alça do coldre e segurou a pistola enquanto entrava no quarto escuro. Elena rastejou atrás dele.

Os olhos de Elias se arregalaram de horror ao ver os dois homens mortos.

Rais bateu o gancho da algema aberta na lateral do pescoço do jovem e depois puxou o braço para trás.

O metal bateu em seu pulso, e as feridas em suas costas queimaram, mas ignorou a dor quando rasgou a garganta do jovem. Uma quantidade substancial de sangue respingou e correu pelo braço do assassino.



Com a mГЈo esquerda, ele pressionou a Sig contra a testa de Elena.

–Não grite, disse ele rapidamente e em silêncio. Não chore. Fique em silêncio e viva. Faça um som e morra. Você entendeu?

Um pequeno grito irrompeu dos lábios de Elena quando ela sufocou o soluço subindo. Ela assentiu, mesmo com lágrimas nos olhos. Mesmo quando Elias caiu para a frente, de cara no chão de azulejos.



Ele a olhou de cima a baixo. Era delicada, mas suas roupas eram um pouco folgadas e o cГіs elГЎstico.

–Tire suas roupas, disse a ela.

A boca de Elena se abriu em horror.

Rais zombou. Ele podia entender a confusГЈo, no entanto; afinal, ele ainda estava nu. Eu nГЈo sou esse tipo de monstro, ele assegurou. Eu preciso de roupas. Eu nГЈo vou perguntar de novo.



Tremendo, a jovem tirou a blusa e tirou as calças, tirando-as sobre os tênis brancos, enquanto estava na poça do sangue de Elias.

Rais pegou-as e vestiu-as um pouco desajeitadamente com uma mão enquanto mantinha o Sig na garota. As roupas estavam justas e as calças um pouco curtas, mas seriam boas o bastante. Enfiou a pistola na parte de trás da calça e pegou a outra da cama.



Elena estava de calcinha, abraçando os braços sobre a barriga. Rais notou; ele pegou seu vestido de hospital e estendeu a mão para ela. Cubra-se. Então suba na cama. Quando ela fez o que ele pediu, ele encontrou chaves no cinto de Luca e destrancou a outra algema. Então ele enrolou a corrente em torno de uma das grades de aço e algemou as mãos de Elena.



Ele colocou as chaves na extremidade da mesa de cabeceira, fora de seu alcance.

–Alguém virá e libertará você depois que eu for embora, disse a ela. Mas primeiro tenho perguntas. Eu preciso que você seja honesta, porque se você não for, eu voltarei e te matarei. Entendeu?

Ela assentiu freneticamente, as lГЎgrimas rolando sobre suas bochechas.



—Quantos outros enfermeiros estão nesta unidade hoje à noite?

–P-por favor, não os machuque, ela gaguejou.

–Elena. Quantos outros enfermeiros estão nesta unidade hoje à noite? Repetiu ele.



—D-dois… Ela fungou. Thomas e Mia. Mas Tom está no intervalo. Estaria lá embaixo.

–Ok. O crachá preso ao peito era do tamanho de um cartão de crédito. Tinha uma pequena foto de Elena, e no verso, uma faixa preta.

–Esta unidade fica trancada à noite? Seu distintivo é a chave?

Ela assentiu e fungou novamente.



—Bom. Ele enfiou a segunda arma no cós da calça e se ajoelhou ao lado do corpo de Elias. Então tirou os dois sapatos e mexeu os pés neles. Estavam um pouco apertados, mas eram bons o suficiente para fugir.

–Uma última pergunta. Você sabe o que Francis dirige? O guarda noturno? Ele gesticulou para o homem morto com o uniforme branco.

–Eu não tenho certeza. Um… um caminhão, eu acho.



Rais procurou nos bolsos de Francis e saiu com um molho de chaves. Havia uma chave eletrГґnica; isso ajudaria a localizar o veГ­culo.

–Obrigado por sua honestidade, disse a ela. Então ele rasgou uma tira da borda do lençol e enfiou na boca dela.



O corredor estava vazio e bem iluminado. Rais segurou a Sig pelo cabo, mas manteve-a escondida atrás das costas enquanto se arrastava pelo corredor. O lugar abria-se para um andar mais amplo com uma estação de enfermeiros em forma de U e, além disso, havia a saída da unidade. Uma mulher de óculos redondos, com um cabelo escuro que parecia cacheado artificialmente estava atrás de um computador, de costas para ele.



—Vire-se, por favor, disse a ela.

A mulher assustada virou-se para encontrar seu paciente/prisioneiro em uniforme, com um braço ensanguentado, apontando uma arma para ela. Ela perdeu o fôlego e seus olhos se arregalaram.



—Você deve ser Mia, disse Rais. A mulher provavelmente tinha cerca de quarenta anos, matrona, com olheiras sob os olhos arregalados.

–Mãos ao alto.

Ela o obedeceu.

–O que aconteceu com Francis? Ela perguntou baixinho.



—Francis está morto, disse Rais desapaixonadamente. Se você quiser se juntar a ele, faça algo errado. Se você quer viver, ouça atentamente. Eu vou sair por aquela porta. Uma vez que se feche atrás de mim, você vai contar lentamente até trinta. Então vai para o meu quarto. Elena está viva, mas precisa da sua ajuda. Depois disso, você pode fazer tudo o que treinou fazer em uma situação como essa. Você entendeu?



A enfermeira assentiu com firmeza uma vez.

–Eu tenho a sua palavra que seguirá essas instruções? Prefiro não matar mulheres quando possível.

Ela assentiu novamente, mais devagar.

–Bom. Ele circulou em torno da estação, puxando o crachá, e passou-o através do terminal à direita da porta. Uma pequena luz mudou do vermelho para o verde e a fechadura clicou. Rais abriu a porta, lançou mais um olhar para Mia, que não se moveu, e depois observou a porta se fechar atrás dele.

E entГЈo, correu.



Correu pelo corredor, colocando a Sig em suas calças enquanto ele fazia isso. Desceu as escadas para o primeiro andar, dois degraus por vez, abriu uma porta lateral e entrou na noite suíça. O ar frio tomou conta dele como um banho, e parou um momento para respirar livremente.



Suas pernas tremeram e ameaçaram falhar de novo. A adrenalina de sua fuga estava desaparecendo rapidamente e seus músculos ainda estavam bastante fracos. Ele puxou o chaveiro de Francis do bolso e apertou o botão vermelho de alerta. O alarme em uma SUV guinchou, os faróis piscaram. Ele rapidamente o desligou e correu para lá.



Estariam procurando por este carro, sabia, mas nГЈo estaria lГЎ por muito tempo. Ele logo teria que abandonГЎ-lo, encontrar roupas novas e, na manhГЈ seguinte, iria para o Hauptpost, onde tinha tudo de que precisava para escapar da SuГ­Г§a com uma identidade falsa.

E assim que fosse capaz, encontraria e mataria Kent Steele.




CAPГЌTULO QUATRO


Reid mal saГ­ra da garagem para encontrar-se com Maria antes de ligar para Thompson e pedir-lhe que vigiasse a casa dos Lawson.

–Eu decidi dar às meninas um pouco de independência esta noite, explicou ele. Eu não vou demorar muito. Mas mesmo assim, fique de olho.

–Claro, o velho concordou.

–E, se houver algum motivo para agir, é claro, siga em frente.

–Sim, Reid.

–Você sabe, se você não puder vê-las ou algo assim, você pode bater na porta, ou ligar para o telefone fixo…



Thompson riu.

–Não se preocupe, eu entendi. E elas também. São adolescentes. Precisam de alguma privacidade de vez em quando. Aproveite o encontro.



Com o olhar atento de Thompson e a determinação de Maya para se provar responsável, Reid pensou que poderia ficar tranquilo sabendo que as garotas estariam seguras. Claro, parte dele sabia que era apenas mais um exemplo de sua ginástica mental. Estaria pensando sobre isso a noite toda.



Teve que trazer o mapa do GPS em seu telefone para encontrar o lugar. Ele ainda não estava familiarizado com Alexandria, embora Maria estivesse, graças à sua proximidade com Langley e a sede da CIA. Mesmo assim, ela havia escolhido um lugar que nunca tinha ido antes, provavelmente como uma maneira de nivelar o campo de jogo, por assim dizer.



Na viagem, perdeu duas conversões, apesar da voz do GPS dizer-lhe para onde ir e quando. Estava pensando no estranho flashback que teve duas vezes – primeiro quando Maya perguntou se Kate sabia sobre ele, e novamente quando cheirava a colônia que sua falecida esposa adorava. Estava corroendo a parte de trás de sua mente, tanto que, mesmo quando tentou prestar atenção às instruções, rapidamente se distraiu novamente.



A razão pela qual era tão bizarro era que todas as outras lembranças de Kate eram tão vívidas em sua mente. Ao contrário de Kent Steele, ela nunca o abandonara; ele se lembrava de encontrá-la. Ele se lembrava de namorar. Ele se lembrou de férias e de quando comprou sua primeira casa. Ele se lembrava do casamento e do nascimento de suas filhas. Ele até se lembrava das brigas – pelo menos ele achava que sim.



A própria noção de perder qualquer parte de Kate o sacudiu. O supressor de memória já provara ter alguns efeitos colaterais, como a ocasional dor de cabeça rejeitada por uma lembrança teimosa – era um procedimento experimental, e o método de remoção estava longe de ser cirúrgico.



E se algo mais do que apenas o meu passado como Agente Zero tivesse sido tirado de mim?



NГЈo gostou do pensamento de jeito nenhum. Era um declive escorregadio; em pouco tempo estava considerando a possibilidade de que poderia ter perdido memГіrias de perГ­odos com suas garotas tambГ©m. E ainda pior era saber que nГЈo havia como ele saber a resposta para isso sem restaurar sua memГіria completamente.

É muito, e ele sentiu uma nova dor de cabeça chegando. Ligou o rádio, ligou-o na tentativa de se distrair.



O sol jГЎ estava se pondo quando entrou no estacionamento do restaurante, um gastropub chamado The Cellar Door. Estava alguns minutos atrasado. Ele rapidamente saiu do carro e correu para a frente do prГ©dio.

EntГЈo, parou.



Maria Johansson era da terceira geração sueco-americana, e sua identidade falsa para a CIA era a de uma contadora pública certificada de Baltimore – embora Reid pensasse que deveria ter sido uma modelo, ou capa de revista. Um pouco tímida com os seus 1,80, longos cabelos lisos e caíam em seus ombros sem esforço. Seus olhos eram cinza-ardósia, mas de alguma forma intensos. Ela estava do lado de fora, no clima de 12 graus, com um vestido azul-marinho simples, com um decote em V profundo e um xale branco sobre os ombros.



Ela o viu quando se aproximou e um sorriso cresceu em seus lГЎbios.

–Ei. Há quanto tempo.

–Eu… uau, ele desabafou. Quero dizer, ah… você está linda. Ocorreu a ele que nunca tinha visto Maria com maquiagem antes. A sombra azul combinava com seu vestido e fazia seus olhos parecerem quase luminescentes.



—Você está bonito, também. Ela assentiu com aprovando sua escolha de roupas.

Vamos entrar? ObrigadoMaya, pensou.

–Sim. Claro. Ele segurou a porta para ela e a abriu.

–Mas antes, tenho uma pergunta. O que diabos é um gastropub?

Maria riu.

–Eu acho que é o que costumávamos chamar de botequim, mas com comida mais chique.

–Entendi.



O interior era aconchegante, se não um pouco pequeno, com paredes internas de tijolos e vigas de madeira expostas no teto. A iluminação ficava por conta das lâmpadas Edison, que proporcionavam um ambiente caloroso e um pouco escuro.

Por que estou nervoso? Pensou enquanto estavam sentados. Ele conhecia essa mulher. Juntos, haviam impedido uma organização terrorista internacional de assassinar centenas, senão milhares, de pessoas. Mas isso era diferente; não era uma operação ou uma missão. Era prazer, e de alguma forma isso fazia toda a diferença.



ConhecГЄ-la, Maya havia dito a ele. Ser interessante.

–Então, como anda o trabalho? Ele acabou perguntando. Gemeu internamente em sua tentativa indiferente.

Maria sorriu com metade da boca.

–Você deveria saber que eu não posso falar sobre isso.

–Certo, disse ele. Claro. Maria era uma Agente ativa na CIA. Mesmo que ele também fosse, ela não poderia compartilhar detalhes de uma operação, a menos que ele estivesse nela.



– E você? Ela perguntou.

– Como anda o novo trabalho?

– Nada mal, ele admitiu. Sou adjunto, por isso trabalho meio período agora, algumas palestras por semana. Alguma classificação e outras firulas. Mas não é muito interessante.

– E as garotas? Como estão?



—É… elas estão levando, disse Reid. Sara não fala sobre o que aconteceu. E Maya, na verdade, já… Parou antes de falar demais. Confiava em Maria, mas ao mesmo tempo não queria admitir que Maya havia adivinhado com precisão no que Reid estava envolvido. Suas bochechas ficaram rosadas quando disse:

–Ela me provocou. Sobre o encontro.

–Não é? Maria perguntou à queima-roupa.

Reid sentiu seu rosto corar de novo.

–Sim. Eu acho que é.

Ela sorriu novamente. Parecia que estava gostando de sua falta de jeito. No campo, como Kent Steele, ele provou que podia ser confiante e capaz. Mas aqui, no mundo real, era tГЈo desajeitado quanto qualquer um depois de quase dois anos de celibato.



—E você? Ela perguntou. Como está indo?

–Estou bem, disse ele. Tudo bem. Assim que disse isso, ele se arrependeu. Será que não apenas aprendeu com sua filha que agir honestamente era a melhor política?

– Isso é mentira, disse imediatamente. E eu acho que não tenho feito isso muito bem. Mantenho-me ocupado com todas essas tarefas desnecessárias, e invento desculpas, porque, se parar por tempo suficiente para ficar sozinho com meus pensamentos, lembro-me de nomes. Eu vejo rostos, Maria. E não consigo parar de pensar que não posso fazer o suficiente para parar tudo isso.



Ela sabia exatamente a que estava se referindo –  nove pessoas que haviam sido mortas na única explosão bem-sucedida deflagrada por Amun em Davos. Maria estendeu a mão por cima da mesa e pegou a mão dele. Seu toque provocou um formigamento elétrico no braço dele, e até pareceu acalmar seus nervos. Seus dedos quentes e macios contra os dele.



—Essa é a realidade que enfrentamos, disse ela. Não podemos salvar a todos. Eu sei que você não tem todas as suas memórias como Zero, mas se você tivesse, você saberia disso.

–Talvez eu não queira saber, disse baixinho.

–Entendi. Nós tentamos. Mas pensar que você pode manter o mundo a salvo do perigo vai deixá-lo louco. Nove vidas foram tiradas, Kent. Aconteceu e não há como voltar atrás. Mas poderia ter sido centenas. Poderia ter sido mil. É assim que você precisa olhar para isso.



—E se eu não conseguir?

–Então… encontre um bom passatempo, talvez? Eu tricoto.

NГЈo pГґde deixar de rir.

–Você tricota? Não podia imaginar Maria tricotando. Usando agulhas de tricô como uma arma para aleijar um insurgente? Isso sim. Mas, na verdade, fazendo tricô?



Ela ergueu o queixo.

–Sim, eu tricoto. Não ria. Acabei de fazer um cobertor que é mais suave do que qualquer coisa que você já sentiu em toda a sua vida. Meu ponto é, encontrar um hobby. Você precisa de algo para manter suas mãos e mente ocupadas. E a sua memória? Alguma melhora?



Ele suspirou.

–Na verdade, não. Acho que não tenho muito o que fazer sobre isso. Ainda é meio confuso. Ele pôs o cardápio de lado e torceu as mãos na mesa. Embora, já que você mencionou… Eu fiz algo estranho acontecer hoje cedo. Um fragmento de algo voltou. Sobre Kate.

–Ãh? Maria mordeu o lábio inferior.

–Sim. Ficou quieto por um longo momento.

– Coisas sobre Kate e eu… antes da morte dela.

– Eram lembranças boas, certo?



Maria olhou diretamente para ele, seus olhos cinza-ardГіsicos perfurando os dele.

– Sim.

– Pelo que eu sei, as coisas sempre foram ótimas entre vocês dois. Ela realmente amava você e você a amava também.

Ele achou difГ­cil olhar nos olhos dela.

–Sim. Claro. Ele zombou de si mesmo. Deus, me ajude. Na verdade, estou falando sobre minha falecida esposa em um encontro. Por favor, não conte para minha filha.



—Ei—. Seus dedos encontraram os dele novamente na mesa.

–Tudo bem, Kent. Entendi. Você é novo nisso e parece estranho. Eu não sou exatamente uma especialista nisso, então… vamos descobrir juntos.



Seus dedos permaneceram nos dele. Era bom. Não, era mais que isso – parecia a coisa certa naquela hora. Ele riu nervosamente, mas seu sorriso se desvaneceu em uma expressão perplexa quando uma noção bizarra o atingiu; Maria ainda o chamava de Kent.



—O que foi? Ela perguntou.

–Nada. Estava apenas pensando… Eu nem sei se Maria Johansson é seu nome verdadeiro.

Maria encolheu os ombros timidamente.

–Deve ser.

–Isso não é justo, ele protestou.

–Você conhece o meu.

–Eu não estou dizendo que não é o meu nome verdadeiro. Estava gostando disso, brincando com ele.

–Você sempre pode me chamar de Agente Marigold, se preferir.

Ele riu. Marigold era seu codinome, com seu Zero. Era quase uma coisa boba para ele, usar nomes falsos quando se conheciam pessoalmente – mas, novamente, o nome Zero parecia causar medo em muitos que ele encontrou.



—Qual era o codinome do Reidigger? Reid perguntou baixinho. Isso quase o espetou quando perguntou. Alan Reidigger tinha sido o melhor amigo de Kent Steele – não, Reid pensou, era meu melhor amigo – um homem de lealdade aparentemente inflexível. O único problema era que Reid mal se lembrava dele. Todas as lembranças de Reidigger se foram com o implante supressor de memória.



—Você não se lembra? Maria sorriu agradavelmente com o pensamento.

– Alan te deu o nome Zero, você sabia? E você deu a ele o dele. Deus, há anos eu não lembrava daquela noite. Estávamos em Abu Dhabi, creio eu, bêbados, acabando de sair de algum barzinho de hotel. Ele chamou você de —Ground Zero— – como o ponto de detonação de uma bomba, porque você costumava deixar uma bagunça por onde passava. Isso encurtou e virou Zero, e o apelido pegou. E você chamou ele de…



Um telefone tocou, interrompendo sua histГіria. Reid instintivamente olhou para o seu prГіprio celular, na mesa, esperando ver o nГєmero de casa ou do celular de Maya exibido na tela.



—Relaxe, ela disse, sou eu. Eu vou simplesmente ignorar… Ela olhou para o telefone e franziu a testa perplexa. Na verdade, é trabalho. Só um segundo. Ela respondeu. Sim? Mm-hmm. Seu olhar sombrio se levantou e encontrou o de Reid. Ela segurou-o quando sua careta ficou mais intensa. O que quer que estivesse sendo dito do outro lado da linha não era claramente uma boa notícia. Compreendo. OK. Obrigada. Ela desligou.



—Você parece incomodada, observou ele. Eu sei, eu sei, você não pode falar sobre coisas de trabalho…

–Ele escapou, ela murmurou. O assassino de Sion, aquele no hospital? Kent, ele saiu, menos de uma hora atrás.

–Rais? Reid disse espantado. Um suor frio imediatamente jorrou em sua testa. Como?

–Eu não tenho detalhes, disse ela apressadamente enquanto colocava o celular de volta na bolsa.

–Eu sinto muito, Kent, mas eu tenho que ir.

–Sim, ele murmurou. Eu entendo. Na verdade, ele se sentia a cem milhas de distância de sua mesa aconchegante no pequeno restaurante. O assassino que Reid havia deixado morrer – não uma, mas duas vezes – ainda estava vivo e agora em liberdade.

Maria se levantou e, antes de sair, inclinou-se e apertou os lГЎbios contra os dele.

–Nós vamos fazer isso de novo em breve, eu prometo. Mas agora, o dever me chama.



—Claro, disse ele. Vá e encontre-o. E Maria? Seja cuidadosa. Ele é perigoso.

–Eu também. Ela piscou e saiu do restaurante apressadamente.

Reid ficou lá sozinho por um longo momento. Quando a garçonete se aproximou, ele nem ouviu as palavras dela; apenas acenou vagamente para indicar que estava bem. Mas estava longe de estar bem. Nem sentiu o formigamento elétrico nostálgico quando Maria o beijou. Tudo o que podia sentir era um nó de pavor se formando em seu estômago.

O homem que acreditava estar predestinado para matar Kent Steele havia escapado.




CAPГЌTULO CINCO


Adrian Cheval ainda estava acordado apesar da hora tardia. Ele se sentou em um banquinho na cozinha, com o olhar embaçado e sem piscar olhou para a tela do laptop na frente dele, seus dedos digitavam freneticamente.



Parou tempo suficiente para ouvir Claudette descendo suavemente as escadas acarpetadas do sótão em seus pés descalços. O apartamento deles em Marselha era pequeno, mas aconchegante, no fim de uma rua tranquila, a uma curta caminhada de cinco minutos do mar.



Um momento depois, sua leve silhueta e seu cabelo de fogo apareceram. Ela colocou as mãos nos ombros dele, deslizando-as para cima e para baixo, descendo pelo peito dele, a cabeça pousando na parte superior de suas costas.

–Mon chéri, ela ronronou. Meu amor. Eu não consigo dormir.

–Nem eu, ele respondeu suavemente em francês. Há muito a ser feito.

Ela o mordeu gentilmente no lГіbulo da orelha.

–Conte-me.



Adrian apontou para a tela, que exibia a estrutura cíclica de RNA de fita dupla da varíola major – o vírus conhecido pela maioria como varíola.

–Esta linhagem da Sibéria é… é incrível. Eu nunca vi nada como isso. Pelos meus cálculos, a virulência seria espantosa. Estou convencido de que a única coisa que poderia tê-la impedido de erradicar a humanidade há milhares de anos foi o período glacial.



—Um novo dilúvio. Claudette gemeu um suspiro suave em seu ouvido. Quanto tempo até que esteja pronto?

–Eu preciso fazer modificações na cepa, mantendo a estabilidade e a virilidade, explicou ele. Não é uma tarefa simples, mas é necessária. A OMS obteve amostras desse mesmo vírus cinco meses atrás; não há dúvida de que uma vacina está sendo desenvolvida, se já não houver uma. Nossa cepa deve ser única o suficiente para que suas vacinas sejam ineficazes.



O processo era conhecido como mutagênese letal, manipulando o RNA das amostras que ele havia adquirido na Sibéria para aumentar a virulência e reduzir o período de incubação. Em seus cálculos, Adrian suspeitava que a taxa de mortalidade do vírus variola major mutante poderia chegar a setenta e oito por cento – quase três vezes a da varíola natural que havia sido erradicada pela Organização Mundial de Saúde em 1980.



Ao retornar da Sibéria, Adrian visitou Estocolmo pela primeira vez e usou uma identificação da Renault de um estudante falecido, para acessar suas instalações, onde garantiu que as amostras ficassem inativas enquanto ele trabalhava. Mas não podia permanecer sob a identidade de outra pessoa, então roubou o equipamento necessário e voltou para Marselha.



Ele montou seu laboratГіrio no porГЈo nГЈo utilizado de uma alfaiataria a trГЄs quarteirГµes do apartamento deles; o gentil alfaiate acreditava que Adrian era um geneticista, pesquisando DNA humano e nada mais, e Adrian mantinha a porta trancada com um cadeado quando nГЈo estava presente.



—Imam Khalil ficará satisfeito, Claudette respirou em seu ouvido.

–Sim, Adrian concordou em voz baixa. Ele ficará satisfeito.



A maioria das mulheres provavelmente não estaria muito interessada em encontrar o parceiro trabalhando com uma substância tão volátil quanto uma variedade altamente virulenta de varíola – mas Claudette não fazia parte da maioria das mulheres. Ela era pequena, com apenas um metro e cinquenta e quatro em comparação com os cento e oitenta e dois centímetros de altura de Adrian. Seu cabelo era de um vermelho ardente e seus olhos eram verdes como a selva mais densa, sugerindo uma certa irascibilidade.



Haviam se conhecido no ano anterior, quando Adrian estava no fundo do poço. Ele acabara de ser expulso da Universidade de Estocolmo por tentar obter amostras de um enterovírus raro; o mesmo vírus que tirou a vida de sua mãe apenas algumas semanas antes. Na época, Adrian estava determinado a desenvolver uma cura – obcecado – para que ninguém mais sofresse como ela. Mas foi descoberto pelo corpo docente da universidade e sumariamente expulso.



Claudette encontrou-o em um beco, deitado em uma poça de sua própria desolação e vômito, meio inconsciente por causa da bebida. Ela levou-o para casa, limpou-o e deu-lhe água. Na manhã seguinte, Adrian acordou e encontrou uma mulher bonita sentada à sua cabeceira, sorrindo para ele enquanto dizia:

–Eu sei exatamente o que você precisa.



Ele girou no banquinho da cozinha para encarГЎ-la e passou as mГЈos pelas costas dela. Mesmo sentado, estava quase na altura dela.

–É interessante você mencionar o Dilúvio, observou ele. Você sabe, há estudiosos que dizem que se um Grande Dilúvio realmente ocorreu, teria sido de aproximadamente sete a oito mil anos atrás… quase a mesma época desta cepa. Talvez o Dilúvio tenha sido uma metáfora, e foi esse vírus que limpou o mundo de seus iníquos.



Claudette riu dele.

–Seus esforços constantes para misturar ciência e espiritualidade ganham força comigo. Ela tomou seu rosto suavemente em suas mãos e beijou sua testa.

–Mas você ainda não entende que às vezes a fé é tudo que você precisa.



FГ© Г© tudo que vocГЄ precisa. Era o que ela lhe havia receitado para ele no ano anterior, quando acordou de seu estupor bГЄbado. Ela o levou e permitiu que ficasse em seu apartamento, o mesmo que eles ainda ocupam. Adrian nГЈo era um crente no amor Г  primeira vista antes de Claudette, mas ela passou a ter muitas influГЄncias em seu modo de pensar.



Ao longo de alguns meses, ela o apresentou aos princípios do Imam Khalil, um santo islâmico da Síria. Khalil se considerava nem sunita nem xiita, mas simplesmente um devoto de Deus – até mesmo ao ponto de permitir que sua pequena seita de seguidores o chamasse pelo nome que escolhessem, pois Khalil acreditava que o relacionamento de cada indivíduo com seu criador era estritamente pessoal. Para Khalil, o nome desse deus era Allah.



—Eu quero que você venha para a cama, disse Claudette, acariciando sua bochecha com as costas da mão. Você precisa de descanso. Mas primeiro… você tem a amostra preparada?

–A amostra. Adrian assentiu. Sim. Eu a tenho.



Havia apenas um único e pequeno frasco, um pouco maior do que uma unha, do vírus ativo, hermeticamente fechado em vidro e aninhado entre dois cubos de espuma, dentro de um recipiente de risco biológico de aço inoxidável. A caixa em si estava bastante visível sobre a bancada de sua cozinha.

–Bom, Claudette ronronou. Porque estamos esperando visitas.

–Hoje à noite? As mãos de Adrian se soltaram das suas costas. Não esperava que isso acontecesse tão cedo. A esta hora? Era quase duas horas da manhã.

–A qualquer momento, ela disse. Fizemos uma promessa, meu amor, e devemos mantê-la.

–Sim, Adrian murmurou. Estava certa, como sempre. Promessas não devem ser quebradas.

–Claro.

Uma batida brusca e pesada na porta do apartamento assustou os dois.



Claudette foi rapidamente até a porta, soltando a corrente e abrindo apenas dois centímetros. Adrian seguiu, olhando por cima do ombro para ver o par de homens do outro lado. Nenhum parecia amigável. Não sabia seus nomes e passou a pensar neles apenas como —os árabes— – embora, pelo que sabia, pudessem ser curdos ou até mesmo turcomenos.



Um deles falou rapidamente com Claudette em árabe. Adrian não entendeu; seu árabe era rudimentar, na melhor das hipóteses, limitado a um punhado de frases que Claudette lhe ensinara, mas ela acenou com a cabeça uma vez, deslizou a corrente para o lado e concedeu-lhes entrada.



Ambos eram razoavelmente jovens, com cerca de trinta e poucos anos, e exibiam pequenas barbas negras sobre as bochechas coradas. Usavam roupas europeias, jeans, camisetas e blusões contra o ar frio da noite; Imam Khalil não exigia qualquer vestimenta religiosa de seus seguidores, nem precisavam ficar cobertos. De fato, desde que se mudaram da Síria, preferiu que seu povo se misturasse sempre que possível – por razões que eram óbvias para Adrian, considerando o que os dois homens estavam procurando lá.



—Cheval. Um dos sírios assentiu para Adrian, quase com reverência. Avançando? Diga-nos. Ele falou com um francês extremamente pausado.

–Avançando? Adrian repetiu, confuso.

–Ele quer perguntar sobre o seu progresso, disse Claudette gentilmente.

Adrian sorriu.

–Seu francês é terrível.

–Igual ao seu árabe, Claudette respondeu.

Sensato, pensou Adrian.

–Diga a ele que o processo leva tempo. É meticuloso e requer paciência. Mas o trabalho está indo bem.

Claudette transmitiu a mensagem em árabe e os dois árabes concordaram com a aprovação.

–Pequeno pedaço? Perguntou o segundo homem. Parecia que eles tinham a intenção de praticar o francês com ele.



—Eles vieram por causa da amostra, Claudette disse a Adrian, embora ele tivesse entendido o contexto. Você vai pegá-lo? Era claro para ele que Claudette não tinha interesse nenhum em tocar no recipiente de risco biológico, selado ou não.



Adrian assentiu, mas nГЈo se mexeu.

–Pergunte por que Khalil não veio.

Claudette mordeu o lábio e tocou-o gentilmente no braço.

–Querido, ela disse calmamente, tenho certeza de que ele está ocupado em outro lugar…



—O que poderia ser mais importante do que isso? Adrian insistiu. Esperava que o imã aparecesse.

Claudette fez a pergunta em ГЎrabe. O par de sГ­rios franziu a testa e olhou um para o outro antes de responder.

–Eles me dizem que ele está visitando enfermos hoje à noite, Claudette disse a Adrian em francês: está orando por sua libertação deste mundo físico.



A mente de Adrian alcançou rapidamente uma memória de sua mãe, poucos dias antes de sua morte, deitada na cama com os olhos abertos, mas inconsciente. Estava quase inconsciente da medicação; sem isso ela estaria em constante tormento, mas com a medicação estava praticamente em coma. Nas semanas que antecederam a sua partida, ela não tinha noção do mundo ao seu redor. Ele orara muitas vezes por sua recuperação, ali ao lado de sua cama, embora, quando ela se aproximava do fim, suas orações mudavam e ele se via desejando a ela apenas uma morte rápida e indolor.



—O que ele vai fazer com isso? Adrian perguntou. A amostra.

–Ele vai garantir que sua mutação funcione, disse Claudette simplesmente. Você sabe disso.

–Sim, mas… Adrian fez uma pausa. Sabia que não era seu lugar questionar a intenção do imã, mas de repente teve um forte desejo de saber.

–Ele vai testá-la? Algum lugar remoto? É importante não mostrar tudo cedo demais. O resto do lote não está pronto…



Claudette disse alguma coisa rapidamente para os dois homens sГ­rios, e entГЈo ela pegou Adrian pela mГЈo e o levou para a cozinha.

–Meu amor, ela disse calmamente, você tem dúvidas. Conte-me.

Adrian suspirou.

–Sim, ele admitiu. Esta é apenas uma amostra muito pequena, não tão estável quanto as outras. E se isso não funcionar?



—Vai funcionar. Claudette envolveu seus braços ao redor dele. Eu tenho toda a confiança em você, assim como o Imam Khalil. Você foi presenteado com esta oportunidade. Você é abençoado, Adrian.



Você é abençoado. Essas eram as mesmas palavras que Khalil usara quando se conheceram. Três meses antes, Claudette levara Adrian para uma viagem à Grécia. Khalil, como muitos sírios, era um refugiado – mas não político, nem um subproduto da nação dilacerada pela guerra. Era um refugiado religioso, perseguido tanto por sunitas quanto por xiitas por suas noções idealistas. O tipo de espiritualidade de Khalil era uma fusão de princípios islâmicos e algumas das influências filosóficas esotéricas de drusos, como a veracidade e a transmigração da alma.



Adrian conhecera o homem santo num hotel em Atenas. Imam Khalil era um homem gentil com um sorriso agradável, vestindo um terno marrom com seus cabelos escuros e barba penteados e arrumados. O jovem francês ficou ligeiramente surpreso quando, ao se encontrar pela primeira vez, o imã pediu a Adrian que orasse com ele. Juntos, eles se sentaram em um tapete, de frente para Meca, e rezaram silenciosamente. Havia uma calma que pairava no ar ao redor do Imam e como uma aura, uma placidez que Adrian não havia experimentado desde que era um menino nos braços da mãe, quando ela era saudável.



Depois da oração, os dois homens fumaram em um cachimbo de vidro e beberam chá enquanto Khalil falava de sua ideologia. Eles discutiram a importância de ser verdadeiro consigo mesmo; Khalil acreditava que o único caminho para a humanidade absolver seus pecados era a veracidade absoluta, que permitiria à alma reencarnar como um ser puro. Ele fez muitas perguntas a Adrian sobre ciência e espiritualidade. Perguntou sobre a mãe de Adrian, e prometeu a que em algum lugar na terra ela nascera de novo, pura, bonita e saudável. O jovem francês sentiu grande consolo nisso.



Khalil então falou do Imam Mahdi, o Redentor e o último dos Imam, os homens santos. Mahdi seria aquele que traria o Dia do Juízo Final e livraria o mundo do mal. Khalil acreditava que isso ocorreria muito em breve, e após a redenção do Mahdi viria a utopia; cada ser do universo seria perfeito, genuíno e imaculado.



Por várias horas, os dois homens sentaram-se juntos, bem na noite, e quando a cabeça de Adrian estava tão nebulosa quanto o ar denso e esfumaçado que girava em torno deles, ele finalmente fez a pergunta que estava em sua mente.



—É você, Khalil? Ele perguntou ao homem santo. Você é o Mahdi?



Imam Kahlil sorriu largamente. Ele pegou a mГЈo de Adrian e disse gentilmente:

–Não, meu filho. É você. Você é abençoado. Eu posso ver isso tão claramente quanto vejo seu rosto.



Eu sou abençoado. Na cozinha do apartamento deles em Marselha, Adrian pressionou os lábios na testa de Claudette. Estava certa; eles fizeram uma promessa a Khalil e ela deve ser mantida. Ele retirou a caixa de aço de risco biológico da bancada e levou-a para os árabes que esperavam. Soltou a tampa e levantou a metade superior do cubo de espuma para mostrar-lhes o minúsculo frasco de vidro hermeticamente fechado.

Não parecia haver nada no frasco – o que fazia parte da natureza dele ser uma das substâncias mais perigosas do mundo.

–Querida, disse Adrian quando substituiu a espuma e apertou a tampa com firmeza novamente. Eu preciso que você diga a eles, em termos inequívocos, que sob nenhuma circunstância eles devem tocar neste frasco. Deve ser tratado com o máximo cuidado.



Claudette retransmitiu a mensagem em ГЎrabe. De repente, o homem sГ­rio que segurava a caixa parecia muito menos confortГЎvel do que um momento antes. O outro homem fez um gesto de agradecimento a Adrian e murmurou uma frase em ГЎrabe, uma que Adrian entendeu.

–Alá está com você, que a paz esteja com você.

E sem outra palavra, os dois homens saГ­ram do apartamento.



Uma vez que se foram, Claudette girou a trava e colocou a corrente de volta, e entГЈo se virou para seu amado com uma expressГЈo sonhadora e satisfeita em seus lГЎbios.

Adrian, no entanto, estava congelado no local, com uma expressГЈo sisuda.

–Meu amor? Ela disse cautelosamente.



—O que eu acabei de fazer? Ele murmurou. Ele já sabia a resposta; ele colocou um vírus mortal nas mãos de duas pessoas que não eram Imam Khalil, mas sim dois estranhos. E se eles não entregarem? E se eles derrubarem, abrirem ou…



—Meu amor. Claudette deslizou os braços ao redor de sua cintura e pressionou a cabeça contra o peito dele. Eles são seguidores do Imam. Eles vão ter cautela e levarão a amostra até onde ela precisa chegar. Tenha fé. Você deu o primeiro passo para mudar o mundo. Você é o Mahdi. Não esqueça isto.



—Sim, disse suavemente. Claro. Você está certa, como sempre. E devo finalizar isso.

Se sua mutação não funcionasse como deveria, ou se não produzisse o lote completo, não tinha dúvidas de que seria um fracasso não apenas aos olhos de Khalil, mas também de Claudette. Sem ela Cheval desmoronaria. Precisava dela como precisava de ar, comida ou luz solar.



Mesmo assim, não pôde deixar de se perguntar o que fariam com a amostra – se o imã Khalil a testasse em particular, em um local remoto, ou se seria divulgada publicamente.

Mas ele descobriria em breve.




CAPГЌTULO SEIS


—Papai, você não precisa me acompanhar até a porta toda vez, Maya gritou enquanto cruzavam Dahlgren Quad em direção a Healy Hall no campus de Georgetown.

–Eu sei que não preciso, disse Reid. Eu quero. Você tem vergonha de ser vista com seu pai?

–Não é isso, Maya murmurou. O passeio tinha sido tranquilo, Maya olhando pensativa pela janela, enquanto Reid tentava pensar em algo para falar, mas não conseguiu.



Maya estava se aproximando do final de seu primeiro ano do ensino médio, mas ela já havia feito o teste de suas aulas de AP e começou a fazer alguns cursos por semana no campus de Georgetown. Foi um bom salto em direção ao crédito universitário e foi ótimo para a aplicação – especialmente porque Georgetown era sua melhor escolha no momento. Reid insistiu não só em levar Maya para a faculdade, mas também em levá-la para a sala de aula.



Na noite anterior, quando Maria foi obrigada a interromper o encontro de repente, Reid correu para suas meninas. Ficou extremamente perturbado com a notícia da fuga de Rais – seus dedos tremiam contra o volante de seu carro -, mas ele se forçou para permanecer calmo e tentou pensar logicamente. A CIA já estava em busca e provavelmente também a Interpol. Ele conhecia o protocolo; todos os aeroportos seriam vigiados, e bloqueios seriam estabelecidos nas principais vias de comunicação de Sion. E Rais não tinha aliados a quem recorrer.



AlГ©m disso, o assassino havia escapado na SuГ­Г§a, a mais de seis mil quilГґmetros de distГўncia. Meio continente e um oceano todo se estendiam entre ele e Kent Steele.

Mesmo assim, sabia que se sentiria muito melhor quando recebesse a notГ­cia de que Rais havia sido detido novamente. Estava confiante na capacidade de Maria, mas desejou ter tido a perspicГЎcia de pedir a ela para mantГЄ-lo atualizado da melhor maneira possГ­vel.



Ele e Maya chegaram Г  entrada de Healy Hall e Reid parou.

–Tudo bem, vou te ver depois da aula?

Ela olhou para ele desconfiada.

–Você não vai me acompanhar?



—Não hoje. Tinha a sensação de que sabia por que Maya estava tão quieta naquela manhã. Ele lhe dera um pedacinho de independência na noite anterior, mas hoje estava de volta aos seus receios habituais. Tinha que se lembrar que ela não era mais uma garotinha.

–Olha, eu sei que tenho ficado um pouco em cima de você pouco ultimamnte…



—Um pouco? Maya zombou.

–… E sinto muito por isso. Você é uma jovem muito capaz, perspicaz e inteligente. E só quer independência. Eu reconheço isso. Minha natureza superprotetora é um problema meu, não seu. Não é culpa sua.



Maya tentou esconder o sorriso no rosto dela.

–Você acabou de usar a fala 'não é você, sou eu'?

Ele assentiu.

–Usei, porque é verdade. Eu não seria capaz de me perdoar se algo acontecesse com você e eu não estivesse lá para evitar.



—Mas você nem sempre vai estar lá, ela disse, não importa o quanto você tente. E preciso ser capaz de cuidar de meus problemas.

–Você está certa. Vou tentar recuar um pouco.

Ela arqueou uma sobrancelha.

–Você promete?

–Eu prometo.



—Ok. Ela se esticou na ponta dos pés e beijou sua bochecha. Vejo você depois das aulas. Ela se dirigiu para a porta, mas depois teve outro pensamento:

–Sabe, talvez eu devesse aprender a atirar, por via das dúvidas…

Ele apontou um dedo severo em sua direção.

–Não me provoque.



Ela sorriu e desapareceu no corredor. Reid ficou parado por alguns minutos. Deus, as meninas estavam crescendo rápido demais. Em dois curtos anos, Maya seria uma adulta, legalmente falando. Em breve teria carros, aulas na faculdade e… e, mais cedo ou mais tarde, garotos. Felizmente, isso ainda não havia acontecido.



Ele se distraiu admirando a arquitetura do campus enquanto se dirigia para o Copley Hall. Não tinha certeza se ficaria cansado de andar pela universidade, apreciando as estruturas dos séculos XVIII e XIX, muitas construídas no estilo Românico Flamengo que floresceu na Idade Média europeia. Claro que eram bons os meados de março na Virgínia. Pois acontecia um ponto de virada na estação. A temperatura subia e descia dos dez aos quinze graus em dias mais agradáveis.



No seu papel como um adjunto estava tipicamente assumindo turmas menores, de vinte e cinco a trinta alunos e principalmente de pós-graduação. Ele se especializou em lições de guerra, e muitas vezes substituía o professor Hildebrandt, que era titular e viajava frequentemente por causa de um livro que estava escrevendo.

Ou talvez ele esteja secretamente na CIA, refletiu Reid.



—Bom dia, disse em voz alta quando entrou na sala de aula. A maioria de seus alunos já estava lá quando chegou, então correu para a frente, colocou sua bolsa de viagem na mesa e tirou o casaco de tweed.



—Estou alguns minutos atrasado, então vamos direto ao ponto.

Era bom estar na sala de aula novamente. Esse era o elemento dele – pelo menos um deles.    —Tenho certeza de que alguém aqui pode me dizer: qual foi o evento mais devastador, pelo número de mortes, na história europeia?



—Segunda Guerra Mundial, alguém falou imediatamente.

–É um dos piores em todo o mundo, com certeza, respondeu Reid, mas a Rússia se saiu muito pior do que a Europa, pelos números. O que mais?



—A conquista mongol, disse uma menina morena com um rabo de cavalo.

–Outro bom palpite, mas vocês estão pensando em conflitos armados. O que estou pensando é menos antropogênico; mais biológico.



—Peste Negra, murmurou um garoto loiro na primeira fila.

–Sim, senhor…?

–Wright, o garoto respondeu.

Reid sorriu.

–Sr. Wright? Aposto que você usa esse sobrenome para paquerar as garotas.

O garoto sorriu timidamente e balançou a cabeça.



—Sim, o Sr. Wright está certo – a Peste Negra. A pandemia da peste bubônica começou na Ásia Central, viajou pela Rota da Seda, foi levada para a Europa por ratos em navios mercantes e, no século XIV, matou uma estimativa de setenta e cinco a duzentos milhões de pessoas. Parou por um momento para enfatizar seu discurso.



—Isso é uma enorme disparidade, não é? Como esses números podiam ser altos assim?

A morena na terceira fileira levantou a mГЈo ligeiramente.

–Porque eles não tinham uma Agência de recenseamento há setecentos anos atrás?



Reid e alguns outros estudantes riram.

–Bem, claro, tem isso. Mas também é por causa da rapidez com que a peste se espalhou. Quer dizer, estamos falando de mais de um terço da população da Europa morta em dois anos.



Para colocar isso em perspectiva, seria como se toda a costa leste e a Califórnia tivessem desaparecido. Ele se encostou na mesa e cruzou os braços. Agora eu sei o que você está pensando. �Professor Lawson, você não é o cara que entra e fala sobre guerra?’ Sim, e estou falando disso agora.



—Alguém mencionou a conquista mongol. Genghis Khan teve o maior império contíguo da história por um breve período, e suas forças marcharam na Europa Oriental durante os anos da praga na Ásia. Khan é tido como um dos primeiros a usar o que hoje classificamos como guerra biológica; se uma cidade não cedesse a ele, seu exército catapultaria os corpos infectados pela peste sobre suas muralhas, e então… teriam que esperar um pouco.



O Sr. Wright, o garoto loiro na fila da frente, franziu o nariz em desgosto.

–Isso não pode ser real.

–É real, asseguro-lhe. Cerco a Kafa, no que hoje é a Crimeia, 1346. Vejam, queremos pensar que algo como a guerra biológica é um conceito novo, mas não é. Antes de termos tanques, drones, mísseis ou até mesmo armas no sentido moderno, nós, ã… eles, ã…



—Por que você tem isso, Reid? Ela pergunta acusadoramente. Seus olhos estão mais com medo do que com raiva.



Ao mencionar a palavra —armas, uma lembrança repentinamente passou por sua mente – a mesma memória de antes, mas mais clara agora. Na cozinha de sua antiga casa na Virgínia. Kate encontrara alguma coisa enquanto limpava a poeira de um dos dutos do ar condicionado.



Uma arma na mesa – uma pequena, uma LC9 de nove milímetros e prateada. Kate gesticula para ela como um objeto amaldiçoado.

—Por que você tem isso, Reid?

—É… só por proteção – você mente.

—Proteção? Você ao menos sabe como usá-la? E se uma das meninas tivesse encontrado?

—Elas não…

—Você sabe o quão curiosa Maya é. Jesus, eu nem quero saber como você conseguiu isso. Eu não quero isso em nossa casa. Por favor, livre-se disso.

—Claro. Me desculpe, Katie. Katie – o nome que você usa quando ela está com raiva.

VocГЄ cuidadosamente pega a arma da mesa, como se nГЈo tivesse certeza de como lidar com ela. Depois que ela sair para o trabalho, vocГЄ terГЎ que pegar as outras onze escondidas em toda a casa. Encontre pontos melhores para escondГЄ-las.



—Professor? O garoto loiro, Wright, olhou para Reid com preocupação. Você está bem?

–Oi… sim. Reid se endireitou e limpou a garganta. Seus dedos doíam; agarrou a borda da mesa com força quando a memória o atingiu. Sim, desculpe-me.

Não havia dúvida agora. Tinha certeza de que perdera pelo menos uma lembrança de Kate.



—Hum… desculpe, pessoal, mas de repente eu não estou me sentindo bem, disse à turma. Foi repentino. Estão dispensados por hoje. Vou passar algumas leituras, e trabalharemos com elas na segunda-feira.



Suas mГЈos tremiam quando recitou os nГєmeros das pГЎginas. O suor se arrepiou em sua testa enquanto os alunos saГ­am. A menina morena da terceira fila parou em sua mesa.

–Você não parece bem, professor Lawson. Você quer que a gente ligue para alguém?



Uma enxaqueca estava se formando na frente de seu crânio, mas ele forçou um sorriso que esperava que fosse agradável.

–Não, obrigado. Eu vou ficar bem. Só preciso de um pouco de descanso.

–OK. Fique melhor, professor. Ela também saiu da sala de aula.

Assim que ficou sozinho, abriu a gaveta da escrivaninha, encontrou uma aspirina e engoliu-a com ГЎgua de uma garrafa da sua bolsa.



Sentou-se na cadeira e esperou que seu batimento cardíaco diminuísse. A memória não tinha apenas um impacto mental ou emocional sobre ele – também tinha um efeito físico muito real. O pensamento de perder qualquer parte de Kate de sua memória, quando ela já havia sido tirada de sua vida, era nauseante.



Depois de alguns minutos, a sensação doentia em seu intestino começou a diminuir, mas não os pensamentos rodando em sua mente. Não conseguiu mais desculpas; teve que tomar uma decisão. Ele teria que determinar o que faria.



De volta a casa, em uma caixa em seu escritório, pegou a carta que lhe dizia onde poderia procurar ajuda – um médico suíço chamado Guyer, o neurocirurgião que instalara o supressor de memória em sua cabeça, em primeiro lugar. Se alguém pudesse ajudar a restaurar suas memórias, seria ele. Reid passou o último mês vacilando sobre se deveria ou não pelo menos tentar recuperar sua memória completamente.



Mas partes de sua esposa haviam desaparecido e nГЈo tinha como saber o que mais poderia ter sido eliminado com o supressor.

Agora estava pronto.




CAPГЌTULO SETE


—Olhe para mim, disse o imã Khalil em árabe. Por favor.

Ele pegou o menino pelos ombros, um gesto paternal, e se ajoelhou um pouco, de modo que ficou cara a cara com ele. Olhe para mim, disse novamente. NГЈo era uma exigГЄncia, mas um pedido gentil.



Omar teve dificuldade em olhar Khalil nos olhos. Em vez disso, olhou para o queixo, para a barba preta aparada, raspada delicadamente até o pescoço. Olhou para as lapelas de seu terno marrom escuro, de modo algum caro, porém mais fino do que qualquer roupa que Omar já tivesse usado.



O homem mais velho tinha um cheiro agradГЎvel e falava com o rapaz como se fossem iguais, com um respeito diferente de qualquer outro que jГЎ tivessem mostrado a ele antes. Por todas essas razГµes, Omar nГЈo conseguiu olhar Khalil nos olhos.



—Omar, você sabe o que é um mártir? Perguntou ele. Sua voz era clara, mas não alta. O garoto nunca ouvira o imã gritar.

Omar sacudiu a cabeça.

–Não, Imam Khalil.

–Um mártir é um tipo de herói. Mas é mais que isso; é um herói que se entrega completamente a uma causa. Um mártir é lembrado. Um mártir é celebrado. Você, Omar, será celebrado. Você será lembrado. Você será amado para sempre. Você sabe por quê?



Omar assentiu levemente, mas não falou. Ele acreditava nos ensinamentos do Imam, se apegara a eles como um salva-vidas, ainda mais depois do bombardeio que matou sua família. Mesmo depois de ser forçado a sair de sua terra natal na Síria por dissidentes. Teve alguns problemas, no entanto, continuava acreditando no que o Imam Khalil havia dito a ele há poucos dias.



—Você é abençoado, disse Khalil. – Olhe para mim, Omar. Com muita dificuldade, Omar ergueu o olhar para encontrar os olhos castanhos de Khalil, suaves e amigáveis, mas de alguma forma intensos.

–Você é o Mahdi, o último dos Imam. O Redentor que livrará o mundo de seus pecadores. Você é um salvador, Omar. Você entende?



—Sim, Imam.

–E você acredita, Omar?

O menino não tinha certeza. Não se sentia especial, importante, ou abençoado por Allah, mas ainda assim respondeu:

–Sim, Imam. Eu acredito nisso.

–Allah falou comigo, disse Khalil suavemente, e ele me disse o que devemos fazer. Você se lembra do que deve fazer?



Omar assentiu. Sua missГЈo era bem simples, embora Khalil tivesse se assegurado de que o menino nГЈo tivesse dГєvidas sobre o que isso significaria para ele.

–Bom. Bom. Khalil sorriu largamente. Seus dentes eram perfeitamente brancos e brilhavam ao sol radiante.

–Antes de nos separar, Omar, você me faria a honra de orar comigo por um momento?

Khalil estendeu a mГЈo e Omar a pegou. Era quente e suave. O Imam fechou os olhos e seus lГЎbios se moveram com palavras silenciosas.



—Imam? Disse Omar em um quase sussurro. Não deveríamos enfrentar Meca?

Mais uma vez Khalil sorriu amplamente.

–Não hoje, Omar. O único Deus verdadeiro me concede um pedido; hoje estou com você.

Os dois homens ficaram ali por um longo momento, rezando silenciosamente e encarando um ao outro. Omar sentiu o sol quente em seu rosto e, pelo minuto silencioso que se seguiu, pensou ter sentido algo, como se os dedos invisГ­veis de Deus lhe acariciassem a face.



Khalil se ajoelhou um pouco enquanto permaneciam à sombra de um pequeno avião branco. No avião poderia caber apenas quatro pessoas e tinha hélices sobre as asas. Era o mais próximo que Omar já estiver deles – além da viagem da Grécia para a Espanha, que foi a única vez em que Omar também esteve em um avião.



—Obrigado por isso. Khalil tirou a mão do menino. Preciso ir agora e você também deve. Allah está com você, Omar, a paz esteja com Ele, e a paz esteja com você. O homem mais velho sorriu mais uma vez para ele, e então se virou e subiu a rampa curta no avião.



Os motores começaram ganindo a princípio, e depois subindo a um rugido. Omar deu vários passos para trás enquanto o avião avançava pela pequena pista de pouso. Observou a velocidade, cada vez mais rápida, até que subiu ele no ar e finalmente desapareceu.



Sozinho, Omar olhou para cima, apreciando a luz do sol em seu rosto. Era um dia quente, mais quente que a maioria da época do ano. Então começou a caminhada de seis quilômetros que o levaria a Barcelona. Enquanto caminhava, enfiou a mão no bolso, os dedos gentilmente, mas protetoramente, envolvendo o pequeno frasco de vidro que estava ali.



Omar nГЈo pГґde deixar de se perguntar por que Allah nГЈo tinha vindo diretamente a ele. Em vez disso, sua mensagem foi passada pelo Imam. Eu teria acreditado? Omar pensou. Ou eu teria pensado que era apenas um sonho? Imam Khalil era santo e sГЎbio, e reconheceu os sinais quando se apresentaram.



Omar era um garoto jovem e ingênuo, de apenas dezesseis anos, que conhecia pouco do mundo, particularmente do Ocidente. Talvez não estivesse em condições de ouvir a voz de Deus.

Khalil havia lhe dado um punhado de euros para levar com ele para Barcelona.

–Faça tudo no seu tempo, o homem mais velho tinha dito. Desfrute de uma boa refeição. Você merece isso.



Omar nГЈo falava espanhol, apenas algumas frases rudimentares em inglГЄs. AlГ©m disso, nГЈo estava com fome, entГЈo ao invГ©s de comer quando chegou na cidade, encontrou um banco com vista para a cidade. Ele sentou-se sobre ele, perguntando por que aqui, de todos os lugares.

Tenha fГ©, o Imam Khalil diria. Omar decidiu que ele teria fГ©.



À sua esquerda estava o Hotel Barceló Raval, um estranho prédio redondo adornado de luzes roxas e vermelhas, com jovens bem vestidos indo e vindo de suas portas. Não o conhecia pelo nome; sabia apenas que parecia um farol, atraindo pecadores opulentos como uma chama atraía mariposas. Deu-lhe força para se sentar diante dele, reforçando sua crença para que pudesse fazer o que viria a seguir.



Omar cuidadosamente pegou o frasco de vidro do bolso. NГЈo parecia que havia algo dentro dele, ou talvez o que estivesse nele fosse invisГ­vel, como ar ou gГЎs. NГЈo importava. Sabia bem o que deveria fazer com isso. O primeiro passo foi concluГ­do: entrar na cidade. O segundo passo ele realizou no banco abaixo de uma sombra no Raval.

Ele beliscou a ponta do vidro cГґnico do frasco entre dois dedos e, em um movimento pequeno, mas rГЎpido, quebrou-a.



Um pequeno pedaço de vidro ficou preso no dedo dele. Ele observou quando uma gota de sangue se formou, mas resistiu ao impulso de enfiar o dedo em sua boca. Em vez disso, fez o que lhe mandaram fazer – colocou o frasco em uma narina e inalou profundamente.



Assim que ele inalou, um nГі de pГўnico agarrou seu intestino. Khalil nГЈo lhe dissera nada especГ­fico sobre o que esperar depois disso. Simplesmente disse para esperar um pouco, entГЈo ele esperou e fez o seu melhor para permanecer calmo. Observou mais pessoas entrarem e saГ­rem do hotel, cada uma vestida com roupas extravagantes e ostensivas. Estava muito ciente de seu humilde traje; o suГ©ter surrado, as bochechas irregulares, o cabelo que cresceu por muito tempo indisciplinado. Lembrou a si mesmo que a vaidade era um pecado.



Omar sentou-se e esperou que algo acontecesse, para sentir que trabalhava dentro dele, o que quer que fosse aquilo.

Não sentiu nada. Não houve diferença.

Passou-se uma hora inteira no banco e, por fim, ele se levantou e caminhou vagarosamente para noroeste, para longe do hotel cilíndrico púrpura e para a cidade propriamente dita. Ele desceu as escadas até a primeira estação de metrô que encontrou. Certamente não sabia ler em espanhol, mas não precisava saber para onde estava indo.



Comprou um ingresso usando os euros que Khalil lhe dera e ficou parado na plataforma Г  toa atГ© chegar um trem. Ainda assim, nГЈo se sentiu diferente. Talvez tivesse julgado mal a natureza da entrega. Ainda assim, havia uma Гєltima coisa para fazer.



As portas se abriram e ele entrou, movendo-se com dificuldade entre multidão. O metrô estava bastante movimentado; todos os assentos foram ocupados, então Omar se levantou e segurou uma das barras de metal que corriam paralelamente pelo comprimento do trem, logo acima da sua cabeça.

Sua instrução final foi a mais simples de todas, embora também a mais confusa para ele. Khalil havia dito a ele para embarcar em um trem e —montá-lo até que você não possa mais—. Isso foi tudo.

Na época, Omar não tinha certeza do que isso significava. Mas quando sua cabeça começou a formigar com o suor, a temperatura do corpo aumentou e a náusea subiu em seu estômago, ele começou a ter uma suspeita.



Enquanto os minutos passavam e o trem balançava e balançava sobre os trilhos, seus sintomas pioraram. Sentiu vontade de vomitar. O trem parou na próxima estação e, enquanto as pessoas subiam a bordo ou desembarcavam, Omar se sacudia violentamente. Passageiros se afastaram dele com repulsa.



Seu estômago parecia ter se amarrado em um doloroso nó. Na metade da próxima estação ele tossiu em sua mão. Quando a puxou para longe, seus dedos trêmulos estavam úmidos de sangue escuro e pegajoso.



Uma mulher ao lado dele notou. Ela disse algo rapidamente em espanhol, falando rapidamente, os olhos arregalados em choque. Ela apontou para as portas e tagarelou. Sua voz ficou distante quando um gemido estridente começou nos ouvidos de Omar, percebeu que ela exigia que ele saísse do trem.



Quando as portas se abriram mais uma vez, Omar saiu cambaleando, quase caindo na plataforma.

Ar. Ele precisava de ar fresco.

Alá me ajude, pensou desesperadamente enquanto cambaleava em direção às escadas que levavam ao nível da rua. Sua visão ficou embaçada com lágrimas, seus olhos inundando involuntariamente.

Seu interior gritando de dor, sangue pegajoso em seus dedos, Omar finalmente entendeu seu papel como Mahdi. Ele deveria libertar pestilências neste mundo – e o começo era eliminar seus próprios pecados.

*



—Perdón!

Marta Medellín zombou quando o jovem esbarrou nela bruscamente. Ele parecia ter pouca ou nenhuma consideração pelos outros na rua. Quando ele se aproximou, com os olhos mortos e arrastando os pés, seu ombro esquerdo mergulhou e colidiu com o dela, e ela sussurrou em um duro: Desculpe-me! Em espanhol. No entanto, não lhe deu atenção e continuou.



Depois de ter criado dois filhos, Marta tornou-se familiar a um comportamento rude. A maneira como esse garoto cambaleou sugeriu que ele poderia estar bГЄbado e, no entanto, parecia quase um adulto! Vergonhoso, ela pensou.



Normalmente, ela não daria uma segunda olhada no jovem rude – não merecia a atenção dela, esbarrando nela assim e não se desculpando – mas então ela ouviu uma tosse; um profundo chocalhar no peito, uma tosse que, para alguém em sua posição, chamava a atenção de forma imediata.



Marta virou-se ao ouvir o som a tempo de ver as pernas dele vacilarem. Ele desabou na calçada enquanto os transeuntes gritavam de surpresa ou saltavam para trás. Ela, por outro lado, correu e se ajoelhou ao lado do menino.




Конец ознакомительного фрагмента.


Текст предоставлен ООО «ЛитРес».

Прочитайте эту книгу целиком, купив полную легальную версию (https://www.litres.ru/pages/biblio_book/?art=43694111) на ЛитРес.

Безопасно оплатить книгу можно банковской картой Visa, MasterCard, Maestro, со счета мобильного телефона, с платежного терминала, в салоне МТС или Связной, через PayPal, WebMoney, Яндекс.Деньги, QIWI Кошелек, бонусными картами или другим удобным Вам способом.



Если текст книги отсутствует, перейдите по ссылке

Возможные причины отсутствия книги:
1. Книга снята с продаж по просьбе правообладателя
2. Книга ещё не поступила в продажу и пока недоступна для чтения

Навигация